Um novo relatório da Release International – organização de defesa da liberdade religiosa sedeada no Reino Unido – revela que, nos últimos doze meses, pelo menos 218 cristãos foram presos na Eritreia, muitos deles mulheres e crianças.

Só entre janeiro e maio, terão sido 110 os cristãos capturados pelas autoridades do país do Corno de África, o que significa que “cerca de 400 cristãos estão atualmente presos, por tempo indeterminado, sem julgamento ou acusação, por causa da sua fé”, adianta o documento divulgado na passada quarta-feira, 3 de julho.

“Na última leva de detenções, algumas crianças foram levadas juntamente com os seus pais e, em alguns casos, a família inteira está na prisão”, sublinha Berhane Asmelash, pastor anglicano eritreu que já esteve preso devido à sua fé e atualmente colabora com a Release International. “Estamos muito preocupados com o bem-estar físico e mental das crianças, algumas das quais têm apenas dois anos de idade. Isso é totalmente inaceitável, e condenamos veementemente esse ato desumano do governo da Eritreia”, acrescenta, citado no comunicado que dá a conhecer o novo relatório.

Quatro comunidades religiosas “autorizadas” e até essas são perseguidas

Asmelash acaba de lançar um livro onde conta a própria história enquanto vítima de perseguição religiosa na Eritreia. Intitulado Brother, I have come to arrest you (em português, Irmão, vim para prender-te), nele fala sobre as torturas a que foi sujeito, o tempo que passou com alguns prisioneiros no corredor da morte, as execuções simuladas, e sobre como a fé o ajudou a si e a outros a superar esta experiência traumática.

A sua história remonta ao tempo em que a Eritreia procurava conquistar a independência da Etiópia, algo que aconteceu em 1993, após 30 anos de guerra. O antigo líder do movimento de independência, Isaias Afwerki, governa o país desde então. Mas se inicialmente parecia querer fazê-lo de forma democrática, na prática foi-se revelando cada vez mais autoritário, pelo que as Igrejas sentem, ainda hoje, as consequências desse autoritarismo.

Atualmente, o Governo da Eritreia reconhece quatro religiões estatais: a Igreja Ortodoxa Eritreia Tewahedo, o Islamismo Sunita, a Igreja Católica e a Igreja Evangélica Luterana da Eritreia. Outras religiões não são permitidas e são consideradas ilegais. E mesmo sobre as “autorizadas”, o Estado mantém um controlo rígido, que se reflete na imposição de líderes, apropriação de bens e detenção arbitrária e por tempo indefinido dos seus praticantes.

O mais recente relatório da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre corrobora a falta de liberdade religiosa no país, onde se estima que 52 por cento da população seja muçulmana e 47 por cento cristã: “As quatro comunidades religiosas autorizadas no país ainda necessitam de autorização do Gabinete de Assuntos Religiosos para imprimir e distribuir literatura religiosa entre os seus fiéis. Os líderes religiosos e os meios de comunicação religiosos não estão autorizados a comentar questões políticas. (…) Os líderes religiosos são obrigados a apresentar semestralmente ao Governo relatórios sobre as suas atividades. O Gabinete também proíbe as quatro religiões reconhecidas de aceitarem fundos provenientes do estrangeiro, o que restringe os recursos financeiros a fundos gerados localmente e em geral limita as atividades religiosas ao culto”.

O documento refere que “é comum que membros de grupos religiosos não reconhecidos testemunhem ser presos e detidos sem qualquer explicação”, dá inúmeros exemplos, e conclui: “A Eritreia é uma ditadura em que a maioria dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, é violada. (…)  As perspetivas de liberdade religiosa continuam a ser sombrias”.

Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária