Os desafios e as expetativas da mobilidade humana estiveram em análise no primeiro Curso de Integração Missionária em Portugal, que teve lugar em Fátima. Segundo Eduardo Miranda, missionário Espiritano envolvido na dinamização desta formação, o curso reuniu participantes naturais de países como o Equador, Angola, Moçambique, Timor-Leste, Brasil, Gana, Cabo Verde, República Democrática do Congo, Congo-Brazzaville, Argentina, Portugal, México, Nigéria, Indonésia, Togo, Madagáscar, Quénia, Ruanda e Polónia.
A moderar o painel sobre a mobilidade humana esteve Pedro Fernandes, antigo superior provincial dos Missionários Espiritanos, que destacou as “19 nacionalidades” dos formandos, que constituem assim “uma assembleia riquíssima”. A palavra foi dada aos participantes, que puderam partilhar as dificuldades e dúvidas que os assolam na chegada a Portugal. Os participantes identificaram dificuldades como a língua e a discriminação. “Politicamente, sofri muito para conseguir renovar a minha residência. Foi um pouco traumática toda esta situação de legalização em Portugal. Os que vêm para trabalhar sofrem”, lamentou um dos formandos.
A responder a estas questões, e a apresentar o trabalho que é desenvolvido neste âmbito em Portugal, estiveram Andrew Prince Fofie-Nimoh, Missionário Espiritano e pároco de Tires, no patriarcado de Lisboa, Eugénia Quaresma, diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, e Mariana Hancock, gestora de projeto no CEPAC – Centro Padre Alves Correia.
O padre Andrew Prince, natural do Gana, está em Portugal há 14 anos, e partilhou com os presentes a sua experiência de adaptação ao país. O sacerdote identifica como um desafio o “desinteresse pelo cristianismo”, assim como a língua, uma “barreira que é essencial superar para se poder transmitir a mensagem cristã”, e destaca a importância da inclusão. “Para quem chega, tem de sentir-se membro pleno da família e não um estrangeiro. O caminho é por aí. Se se vai sentir estrangeiro, então vai sempre colocar-se à margem e considerar que não faz parte.”
O discurso anti-imigração do Chega também foi alvo de abordagem pelos formandos, e Eugénia Quaresma procurou alertar para as propostas daquele partido. “Quando eu comecei este trabalho, um dos grandes conselhos que recebi do meu diretor da altura era que tínhamos de ter cuidado para que as migrações não fossem manipuladas por nenhum partido político. O livro ‘Como funciona realmente a migração’ procura desmontar a retórica política. Nem um extremo nem outro conseguem responder às migrações. Tem que existir uma intervenção política sim, mas é uma política que tem de ser conversada, concertada, que ponha a pessoa no centro. É isto que a Igreja procura fazer – nós não fazemos política, mas à luz da Palavra, nós podemos iluminar a ação política.”
A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações alertou também para o facto do Chega se afirmar católico, mas “não usar argumentos que tenham a ver com o magistério da Igreja sobre as migrações”. Além disso, o partido “nunca procurou o setor da conferência episcopal da mobilidade humana que trabalha estas questões”, e tem “toda uma argumentação que não tem nada a ver com o magistério da Igreja”. Eugénia Quaresma sublinha que o “esforço de integração e inclusão” deve ser “bidirecional”. “Não é só de quem chega, mas é também de quem está. Há direitos e deveres por parte do imigrante e da parte de quem acolhe. É o esforço de nos conhecermos mutuamente”, frisou.
Na sua intervenção, Mariana Hancock procurou alertar também para a importância da “preparação para a partida”, algo que “muitas vezes é menosprezado”. “As pessoas muitas vezes partem com expetativas erradas ou desfasadas da realidade do local para onde vão. E por isso é muito importante também o trabalho dos países de origem, para que as pessoas saibam exatamente para onde vão. Há um grande desfasamento entre o que são os nossos ideais, aquilo que nós esperamos e ansiamos, com aquilo que nós depois vamos encontrar”, apontou.
Perante todas as dificuldades sentidas em solo português, outro dos formandos questionou se Portugal tem ou não condições para acolher os imigrantes. Mariana Hancock deu a resposta – “Se nós quisermos, temos. A questão, muitas vezes, é também se nós queremos. Está até frisado nas nossas políticas que as pessoas imigrantes não são todas iguais. Nós continuamos a privilegiar imigrantes com determinados traços e características, de acordo com os interesses que Portugal tem, a nível demográfico, económico e cultural. Nós, neste momento, temos uma entrada privilegiada para pessoas da CPLP, de acordo com o acordo de mobilidade que temos, por razões culturais, mas um dos pontos privilegiados do nosso plano de ação de migrações é a atração de talento estrangeiro. A pergunta que se coloca é o que é que acontece àquelas pessoas que vêm trabalhar, têm menos habilitações, e muitas vezes acabam por fazer o trabalho que muitas vezes os portugueses não querem aceitar. Há aqui um longo caminho a percorrer entre a forma como nós abordamos as pessoas imigrantes em Portugal.”
A forte presença de imigrantes no Martim Moniz também foi abordada pelos formandos, e Mariana Hancock deixou claro que o Martim Moniz “é dos sítios em Lisboa mais ricos em diversidade, em negócios, em tudo o mais”, mas que “também é palco de situações fracassadas de integração exatamente, muitas vezes, até pelas falsas expetativas que são criadas nos países de origem, ou até através destes acordos de mobilidade em que as pessoas vêm, mas onde não vêm preparadas porque também não sabem onde é que se vão integrar em termos de trabalho”. “Provavelmente, vêm para trabalhar com toda a vontade, mas o mercado de trabalho não tem ofertas para essas pessoas, para essas qualificações ou, muitas vezes, até tem, mas depois acabam por ser exploradas. Ou às vezes até o contrário. Pessoas muito habilitadas que depois, não vendo reconhecidas as suas habilitações em Portugal, acabam por não conseguir ser integradas na sua área de formação, exatamente por estas falhas sistémicas. Portanto, se existe condições para receber, existiriam muito mais, e existirão, esperemos, se tudo correr bem ao longo dos tempos, à medida que as políticas também se forem ajustando, e forem sendo um bocadinho mais coerentes com aquilo que realmente desejamos porque – e faço publicidade ao livro ‘Como funciona realmente a migração’ – de facto, muitas vezes, nós dizemos que a migração é boa, que queremos imigração mas depois dizemos que não queremos dali, e que só queremos aqueles. Portanto, nós queremos o melhor dos dois mundos, e ainda há muito caminho a fazer de adaptação, e de conhecimento de ambas as partes, e desta vontade de olhar a mobilidade humana como um fenómeno realmente humano, necessário, natural e um direito. O direito a poder ir, ou a poder ficar.”
O painel foi encerrado por Pedro Fernandes, que procurou mostrar toda a diversidade que a mobilidade acarreta consigo. “Há muitos desafios. Há problemáticas complexas. As migrações e a miscigenação nas nossas sociedades, em quaisquer que sejam, e a portuguesa também, não é um problema, é uma oportunidade. Todos nós somos filhos da miscigenação. Nós todos somos misturados, mesmo quando achamos que não porque nos parece que nosso bisavô e o nosso trisavô tinham uma identidade muito clara. Uma das riquezas do cristianismo é fazer-nos perceber, precisamente, que a identidade é por natureza diversa. É na diversidade que as identidades se podem construir e crescer.”
Pedro Fernandes considera que a imigração “é uma temática prioritária” na missão em Portugal, mas deve ter-se a consciência de que “as abordagens que são feitas relativamente às questões da imigração, em muitos aspetos, por alguns grupos, são claramente anti-cristãs”. “Mesmo quando se apresentam em nome de uma espécie de catolicismo que, na verdade, é apenas um rótulo para manipular e aproveitar-se oportunisticamente e abusivamente desta temática para fazer passar ideologias.”
O painel “Mobilidade humana: desafios e expetativas” teve lugar na tarde de quinta-feira, 25 de julho, nas instalações dos Missionários em Consolata em Fátima, no âmbito do Curso de Integração Missionária que chegou ao fim esta sexta-feira, 26 de julho, depois de ter iniciado na passada segunda-feira, dia 22. A formação foi promovida pelos Institutos Missionários Ad Gentes.