Papa Francisco | Foto: LUSA

O diálogo e a convivência harmoniosa entre religiões, a paz e a reconciliação social, o acolhimento dos refugiados, as alterações climáticas com efeitos devastadores em terras de oceanos e vulcões, a evangelização em latitudes onde as comunidades cristãs vivem quase nas mesmas condições da Igreja primitiva são os principais temas que Francisco convocará na visita de duas semanas à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura que inicia esta segunda-feira, dia 2 de setembro.

O Papa, cuja saúde “não suscita preocupações adicionais, pelo que — de acordo com Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, — os protocolos de saúde em vigor em cada viagem apostólica são considerados suficientes” estará entre 9 e 11 de setembro em Timor-Leste, o único entre os países visitados maioritariamente católico, sob o lema “que a vossa fé seja a vossa cultura”.

“A reflexão sobre a relação entre fé e cultura para nós está ligada à reflexão sobre a relação entre fé e história”, confidenciou à Agência Fides o vigário-geral da arquidiocese Dili, padre Graciano Santos Barros, também responsável nacional pela comunicação e media da Conferência Episcopal de Timor-Leste. Para ele, “a história da nação, a história do sofrimento e da libertação de Timor-Leste, é inseparavelmente marcada e acompanhada pela fé”: “Hoje, 25 anos depois do referendo para a independência, podemos olhar para a nossa história com um coração reconciliado, reconhecendo a ação de Deus que iluminou as mentes e os corações dos homens em tantas passagens cruciais.”

Em Timor-Leste, Francisco discursará perante o Presidente, governantes, corpo diplomático e representantes da sociedade civil ao fim da tarde de dia 9 de setembro. Na manhã do dia seguinte visita crianças com deficiência na escola Irmãs Alma e tem um encontro com os bispos, padres, religiosos e religiosa, catequistas e seminaristas a quem dirigirá o seu segundo discurso no país. O Papa celebra eucaristia na esplanada Tasi Tolu (arredores de Dili) na tarde dessa terça-feira e encontra-se com jovens na manhã do dia seguinte, dois dos momentos mais aguardados desta visita a um país que desde há meses se prepara para receber Francisco.

“A Conferência Episcopal preparou materiais para um ciclo de catequeses — em curso nas três dioceses timorenses de Dili, Maliana e Baucau — sobre a biografia do Papa, o conhecimento de algumas Encíclicas, a sua missão como Pontífice e sucessor de Pedro, bem como sobre o tema central da visita “que a vossa fé se torne a vossa cultura”, assinalou o padre Santos Barros, que não foi questionado sobre a polémica dos 12 milhões de dólares gastos para receber o Papa [ver 7Margens], nomeadamente com os arranjos da esplanada de Tasi Tolu onde se espera estejam mais de 700.000 pessoas com Francisco.

Indonésia: uma Igreja de pequenas comunidades de base

A visita à Indonésia, disse o arcebispo de Jacarta, cardeal Ignazio Suharyo Hardjoatmodjo, à agência Vatican News, “é um sinal importante e um presente para todos nós”, mas é também “um  momento para aprofundar e atualizar o ensinamento do Papa, por exemplo, tentando todos os dias praticar e viver a Declaração de Abu Dhabi Sobre a Fraternidade Humana e as encíclicas Fratelli Tutti e Laudato si’ sobre o cuidado da nossa Casa Comum”.

Falando a partir de uma comunidade católica ultraminoritária no maior país muçulmano do mundo, o cardeal afirma nessa entrevista: “Para aqueles, especialmente no Ocidente, que me perguntam, surpresos ou em dúvida, como se pode viver em harmonia ou liberdade na Indonésia, uma nação de maioria islâmica, muitas vezes digo: venham e vejam. A visita do Papa será também um momento em que o mundo inteiro – pelos meios de comunicação social e a ressonância internacional – poderá ‘vir e ver’.”

Na Igreja na Indonésia “o modelo arraigado e que funciona bem é o das pequenas comunidades – na forma das comunidades eclesiais de base – a que chamamos na língua local de lingkungan, termo que quer dizer “círculo” e foi usado pela primeira vez em 1934 por Alberto Soejapranata”, diz Hardjoatmodjo que explica: “São pequenas comunidades de famílias cristãs que, em diferentes bairros, se reúnem em casas para compartilhar a leitura da Bíblia e rezar. É o modelo de paróquia “difundida”, não centralizada, que prospera nas periferias. Depois, em um caminho de sinodalidade, os representantes das lingkungan relatam as suas experiências e necessidades a toda a comunidade”. 

Esta é, para o cardeal, “uma forma de vida eclesial difundido especialmente na ilha de Java e é o modelo que, depois de cem anos de vida, fez da nossa Igreja o que é hoje: ser uma comunidade segundo a Gaudium et Spes, isto é, imersa no mundo, uma comunidade que acolhe as alegrias, as esperanças, as dificuldades e os sofrimentos da humanidade”.

As pequenas Igrejas

Antecipando a visita do Papa a Singapura, o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização que acompanhará o Papa nesta viagem, concedeu uma entrevista em que reconhece ser este “um dos países mais ricos do mundo, e é uma maravilha ver um povo que alcançou tal nível de profissionalismo e vanguarda tecnológica em apenas alguns anos e com recursos limitados, graças também ao seu senso de disciplina”. Em Singapura, “as ofensas contra as religiões são severamente punidas (…), mas é necessário equilíbrio, pois a história ensina-nos a ter cuidado para que a aplicação das leis não acabe contradizendo os próprios valores que as leis devem proteger”.

Falando sobre o conjunto da viagem, o cardeal Tagle lembrou: “Uma grande parte da humanidade vive nessas áreas do mundo. A Ásia é o lar de dois terços da população mundial. A maioria dessas pessoas é pobre. E muitos batismos são realizados justamente entre os pobres. O Papa Francisco sabe que há [nestes países] muitas pessoas pobres e entre os pobres há essa atração pela pessoa de Jesus e pelo Evangelho, mesmo em meio de guerras, perseguições e conflitos.” 

Dando o seu testemunho “como asiático” o cardeal filipino acrescentou: “viajar pela Ásia abre a mente e o coração para vastos horizontes da humanidade, da experiência humana. O cristianismo também está incorporado na Ásia de modos que são surpreendentes para mim. Aprendo muito sobre a sabedoria e a criatividade do Espírito Santo. Surpreendo-me com as formas pelas quais o Evangelho é expresso e encarnado em contextos humanos tão diferentes. A minha esperança é que o Papa e todos nós na comitiva papal, e até mesmo os jornalistas, possamos ter essa nova experiência, a experiência da criatividade do Espírito Santo.”

Por outro lado, sobretudo na Papua-Nova Guiné, mas também nos outros países, Francisco não deixará de abordar a questão ambiental pois “são nações entre o oceano e o céu, mares e montanhas, minerais preciosos, florestas”, por isso “podemos esperar que o Papa proponha a sua reflexão sobre o cuidado com a criação e a vida digna do homem”, disse Matteo Bruni aos jornalistas no dia 30 de agosto na apresentação da viagem papal.

Curiosidades da viagem

Dada a diferença de fusos horários, o Papa Francisco chega à Indonésia (aeroporto de Jacarta), primeiro destino desta longa viagem, a meio da manhã de dia 3 de setembro. Permanece neste país até à tarde de sexta-feira, 6 de setembro de 2024, dia em que aterra na capital da Papua-Nova Guiné, onde ficará até segunda-feira, dia 9 de setembro. De seguida, estará três dias em Timor-Leste. Francisco chega a Singapura (última etapa da sua viagem) ao princípio da quarta-feira, 11 de setembro de 2024, cidade de onde parte de regresso a Roma ao fim da manhã de dia 13 de setembro. Todas estas informações horárias referem-se aos fusos horários locais, pelo que haverá sempre que retirar-lhes entre 8 a 12 horas para se obterem as correspondentes horas de Lisboa.

De acordo com alguns dados divulgados aos jornalistas pelo diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, Matteo Bruni, no dia 30 de agosto, esta “peregrinação de Francisco aos confins da terra, segue as pegadas dos seus antecessores, Paulo VI e João Paulo II, que estiveram presentes nesses territórios entre o início dos anos 70 e o final dos anos 80”.

Esta será a viagem mais extensa do pontificado (32.814 Kms percorridos em quatro fusos horários diferentes), mas não ficará como a mais longa da história dos papas, pois esse recorde continuará a ser o da viagem de 13 dias realizada em 1968 por João Paulo II ao Bangladesh, Singapura, Fiji, Nova Zelândia e Austrália, (48.974 kms). Esta visita já havia sido pensada em 2020, antes que a pandemia da Covid-19 pusesse termo a todos os planos, e acontece agora, exatamente um ano após as últimas viagens internacionais à Mongólia e a Marselha, e antes da visita de quatro dias (26 a 29 de setembro) ao Luxemburgo e à Bélgica.

Durante a sua “peregrinação” pela Ásia e Oceania, Francisco fará 16 discursos em italiano e espanhol sobre vários temas, como a paz e a criação: quatro discurso na Indonésia, em italiano; cinco na Papua-Nova Guiné, em italiano; quatro em Timor-Leste, em espanhol; e três em Singapura, em italiano. Francisco assinará ainda uma declaração conjunta com o Grande-Imã de Jacarta, com quem visitará o Túnel da Fraternidade (terminado no final de 2021) que liga a Mesquita Istiq’lal — o maior edifício de culto islâmico do Sudeste Asiático (pode albergar até 120.000 fiéis), projetado na década de 1950 por um arquiteto cristão — à Catedral da Assunção.

Texto redigido por Jorge Wemans/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.