Já tinha caído a noite em Jacarta quando o Papa Francisco abandonou o local onde se tinha encontrado com jovens de diferentes religiões, envolvidos nos projetos do movimento das Scholas Occurrentes de diferentes partes do país. Ao longo do dia, o reconhecimento e a valorização da diversidade de características culturais, étnicas, linguísticas e religiosas da Indonésia, país em que o islão é de longe a religião maioritária, marcou o primeiro dia da visita papal. Mas a tolerância e a convivência pacífica e o clima amistoso da visita não escondem alguns problemas.
O Papa encontra-se instalado nas instalações da Nunciatura Apostólica, na capital. Foi de lá que saiu, a meio da manhã (madrugada em Lisboa) de quarta-feira, 4 de setembro, para a sessão de boas-vindas, no palácio presidencial. Joko Widodo, o ainda Presidente (há um novo eleito em fevereiro último, que ainda não tomou posse), começou por sublinhar que para a Indonésia, “a diversidade é uma dádiva e a tolerância é o alimento para a unidade e a paz”, manifestando a vontade de colaborar com o Vaticano na busca de caminhos pacíficos para resolver alguns dos atuais focos de guerra, particularmente no Medio Oriente.
No discurso de resposta, Francisco começou por citar o lema nacional – “Unidos na Diversidade”, (literalmente “Muitos, porém um único”), o qual, disse, “manifesta bem esta realidade multiforme de povos diversos que estão firmemente unidos numa só nação”.
Para o líder católico, “a harmonia no respeito pela diversidade é alcançada quando cada visão particular tem em conta as necessidades comuns, e quando cada grupo étnico e confissão religiosa age com espírito de fraternidade, buscando o nobre objetivo de servir o bem de todos”, busca essa que, acrescentou, pressupõe “um trabalho artesanal confiado a todos, mas de modo especial à ação da política”.
O Papa concretizou, a seguir, alguns terrenos em que esse trabalho deve ser promovido, de modo a prevenir conflitos. Referiu-se aos detentores do poder que “gostariam de uniformizar tudo, impondo a sua visão” até em questões do foro individual e comunitário; aludiu ainda a “muitas situações em que falta empenho efetivo e clarividente na construção da justiça social”, levando a que “uma parte considerável da humanidade [seja] deixada à margem; mencionou, por fim, casos em que se manipula a fé em Deus, fazendo com que ela deixe de servir para construir a paz, a comunhão, o diálogo” e sirva, antes “para fomentar divisões e ódio.”
Do encontro de Francisco com os seus irmãos jesuítas, que se seguiu ainda antes do almoço, não transpirou quase nada quanto ao conteúdo (isso será matéria para um novo relato a publicar oportunamente pelo padre António Spadaro possivelmente na revista La Civiltà Cattolica). Soube-se apenas que o Papa chegou em boa forma e com o seu conhecido sentido de humor.
Seguiu-se um encontro com o clero, religiosos e leigos, na catedral da Senhora da Assunção, situada ao lado da mesquita Istiqlal, a maior da Indonésia. Francisco apelou à fraternidade entre pessoas de diferentes religiões e culturas. “Isto é importante, observou, porque anunciar o Evangelho não significa impor a nossa fé ou colocá-la em oposição à dos outros, mas dar e partilhar a alegria do encontro com Cristo sempre com muito respeito e carinho fraterno por todos”.
Indígenas reclamam terras de dioceses católicas
Apesar do clima geral de tolerância e convivência pacífica, tem havido notícia de tensões com minorias religiosas do país, incluindo com cristãos. O jornal The New York Times dava conta de que, só em 2023, registaram-se na Indonésia 329 atos de violência contra minorias religiosas e, ainda em março último, cristãos que se encontravam a preparar a Páscoa numa cidade satélite de Jacarta viram o edifício ser atacado, e mensagens claras de que não podiam ter a igreja numa área muçulmana.
Um outro foco de tensões no país relaciona-se com alegações de confisco de terras a comunidades indígenas, nas quais poderiam estar envolvidas duas dioceses católicas. Segundo um trabalho publicado quarta-feira, 4 de setembro, pela União Católica Asiática de Notícias (UCA News), a Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN, na sigla original), que representa mais de 2.300 comunidades indígenas indonésias divulgou uma declaração em que apela ao Papa Francisco a que se pronuncie sobre estas espoliações de terras, acusando entidades católicas de envolvimento em tal prática.
O problema remontará ao tempo em que os holandeses governaram o país, durante o qual terão apreendido perto de 870 mil hectares de terras consuetudinárias. Com a independência, elas terão sido entregues à diocese de Ende e passadas, posteriormente, para a diocese de Maumere, quando esta foi instituída há cerca de duas décadas. A licença para a exploração caducou em 2013, mas a diocese não devolveu os terrenos aos antigos proprietários, as tribos Soge Natarmage e Goban Runut. Haveria ainda outros casos análogos por resolver.
A UCA News procurou obter a versão das duas dioceses, mas sem sucesso. Apenas um padre de uma delas, falando sob anonimato, disse que a questão “está a ser resolvida com os povos indígenas”.
A Aliança tem vindo a fazer pressão para que se aproveite a visita do Papa para resolver a situação. De facto, no caso das comunidades originárias do Canadá, o Papa empenhou-se pessoalmente, em 2022, tendo pedido desculpas pelo papel da Igreja Católica.
A visita de Francisco à Indonésia aproxima-se, entretanto, do fim. Esta quinta-feira, dia 5, está previsto que o Papa participe num encontro inter-religioso na mesquita Istiqlal e esteja presente num encontro com pessoas assistidas em instituições de caridade. Mais perto do fim da tarde presidirá à celebração da eucaristia no estádio Gelora Bung Karno. Na sexta de manhã, após a cerimónia de despedida no aeroporto de Jacarta, segue para Port Moresby, capital da Papua Nova Guiné, segunda etapa da viagem que o levará ainda a Timor-Leste e Singapura.
Texto redigido por 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.