Os sorrisos das inúmeras crianças à beira da estrada, aguardando a sua passagem, maravilharam o Papa. Foto © Paulo Teia

A missa na esplanada de Tasi Tolu – local onde foi declarada a independência de Timor-Leste – era o momento mais esperado da visita do Papa ao país, e a prova está nas cerca de 700 mil pessoas (praticamente metade da população total) que aí acorreram para nela participar na última terça-feira, 10 de setembro. Francisco não as desiludiu. Fê-las aplaudir de contentamento quando disse que o melhor de Timor-Leste é o seu povo e soltar gargalhadas ao deixar um enigmático aviso: “cuidado com os crocodilos!”.

“O que é que Timor tem de melhor? “O sândalo? A pesca?”, perguntou o Papa à multidão no final da eucaristia. Para logo a seguir dar a resposta: “O melhor é o seu povo. Não posso esquecer esse povo ao longo do caminho, com as crianças… Quantas crianças têm? O melhor que tem um povo é o sorriso das suas crianças. E um povo que ensina os seus filhos a sorrir é um povo com futuro”, continuou o Papa, passando de seguida a um enigmático aviso, que fez duvidar até o tradutor, que pareceu não compreender de imediato as palavras do Pontífice: “Mas atenção, porque já me disseram que em algumas praias há crocodilos, crocodilos que vêm nadar e têm uma mordida mais forte do que aquela que nós suportamos. Estejam atentos, estejam atentos a esses crocodilos que querem mudar-vos a cultura, que querem mudar-vos a história, mantenham-se fiéis e não se aproximem desses crocodilos, porque mordem. E mordem muito…”. No final, desejou-lhes “paz e que continuem a ter muitos filhos… que o sorriso deste povo sejam as suas crianças”.

O desafio a “fazermo-nos pequenos diante de Deus e diante uns dos outros”

Na homilia, Francisco já havia afirmado que “Timor-Leste é bonito porque tem muitas crianças”. “Sois um país jovem onde, por todo o lado, se sente a vida a pulsar, a desabrochar”, disse. “E isso é um grande dom: a presença de tantos jovens e crianças renova constantemente a frescura, a energia, a alegria e o entusiasmo do vosso povo. Mas, mais ainda, trata-se de um sinal, porque dar espaço aos mais pequenos, acolhê-los, cuidar deles, e fazermo-nos pequenos diante de Deus e diante uns dos outros, são precisamente as atitudes que nos abrem à ação do Senhor”, sublinhou Francisco.

E a proximidade de Deus manifesta-se, precisamente, através de uma criança. “Deus torna-se uma criança não apenas para nos maravilharmos e comovermos, mas é também para nos abrirmos ao amor do Pai e nos deixarmos moldar por Ele, para que possa curar as nossas feridas, recompor os nossos desentendimentos, pôr ordem na nossa existência”, acrescentou. E lembrou que “a verdadeira realeza é a de quem dá a vida por amor: como Maria, e como Jesus, que na cruz deu tudo, fazendo-se pequeno, indefeso, fraco, para dar lugar a cada um de nós no Reino do Pai”.

Centrando a sua reflexão na primeira leitura da eucaristia, extraída do livro de Isaías, em que o profeta se dirige aos habitantes de Jerusalém, numa época próspera para a cidade, mas caracterizada por uma grande decadência moral, o Papa assinalou que “há muita riqueza, porém o bem-estar cega os poderosos, iludindo-os com a ideia de serem auto- suficientes, de não precisarem do Senhor, e a sua presunção leva-os a ser egoístas e injustos”. “É por isso que, apesar de haver tantos bens, os pobres são abandonados e passam fome, a infidelidade alastra e a prática religiosa se reduz, cada vez mais, a mera formalidade”, alertou Francisco, no mesmo local onde foi celebrada a missa presidida por João Paulo II, a 12 de outubro de 1989, ainda sob ocupação indonésia. Aquela que é a 45ª viagem apostólica do Papa Francisco, inicialmente planeada para 2020 mas adiada devido à pandemia de covid-19, prossegue esta quarta-feira, com a visita a Singapura, onde permanecerá até sexta-feira.

Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária