A República Dominicana anunciou que irá reiniciar em breve deportações em massa de haitianos a viver “ilegalmente” no país, o que se traduzirá na expulsão de “até dez mil pessoas por semana”. O plano foi divulgado no passado dia 2 de outubro, pelo porta-voz do Presidente Luis Abinader, Homero Figueroa, que justificou a medida como sendo uma consequência da resposta lenta da comunidade internacional aos meses de violência de gangues no vizinho Haiti e do fracasso da ONU em restaurar a estabilidade naquele país.
No ano passado, a República Dominicana havia já deportado mais de 174 mil pessoas que afirma serem haitianas e, no primeiro semestre deste ano, expulsou pelo menos 67 milhares, segundo dados veiculados pela agência Associated Press.
O anúncio de 2 de outubro chegou uma semana depois de Abinader ter anunciado na Assembleia Geral da ONU que tomaria “medidas drásticas” caso a missão no Haiti falhasse. Dois dias antes, o Conselho de Segurança da ONU renovou uma resolução adotada no ano passado autorizando a presença de uma força multinacional de estabilização no país. A operação, liderada pelo Quénia, deverá continuar a apoiar a polícia haitiana por mais um ano.
O Quénia só começou a destacar os seus primeiros contingentes neste verão, vários meses depois da primeira luz verde do Conselho, dada em outubro de 2023. A força multinacional totaliza agora pouco menos de 400 agentes quenianos, além de cerca de 20 homens da Jamaica e do Belize. O seu presidente, William Ruto, garantiu na semana passada que concluiria o destacamento até janeiro para atingir 2.500 polícias.
Sem elementos, equipamento e financiamento suficientes, a ação deste grupo não se refletiu ainda no abrandamento da violência no Haiti. De acordo com um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), o número de desalojados no país cresceu 22% no último trimestre. Mais de metade dos 700 mil deslocados pela violência de gangues no Haiti são crianças. Aqueles que fugiram para a República Dominicana e agora vão ser forçados a regressar encontrarão um país onde a violência atingiu os níveis mais elevados desde 2003, com apenas 24% dos hospitais em funcionamento, 1,5 milhões de crianças sem escola, e campos de deslocados estão sobrelotados e sem acesso a eletricidade ou serviços básicos de saneamento.
Diversas organizações de defesa dos direitos humanos têm criticado a administração do presidente Luis Abinader pelo que consideram ser violações contínuas dos direitos humanos de haitianos e descendentes de haitianos nascidos na República Dominicana.
“Desde 2022, a República Dominicana tornou-se o país que mais deportou haitianos em trânsito, apesar do apelo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) aos estados em novembro de 2022 para impedir os regressos forçados ao Haiti”, denunciava a Amnistia Internacional (AI) em agosto deste ano, acrescentando: “Segundo a Organização Internacional para as Migrações, 208.166 cidadãos haitianos foram deportados em 2023, incluindo mais de 20 mil adolescentes e crianças. Durante 2024, enquanto a grave crise no Haiti continua, o governo dominicano deportou 98.594 pessoas, incluindo mais de 5 mil adolescentes e crianças”.
A Amnistia Internacional descobriu que muitas dessas deportações foram expulsões coletivas, “em violação do princípio de não devolução e do direito de asilo de cidadãos haitianos”. Essas expulsões coletivas são, assim, “contrárias às obrigações internacionais da República Dominicana, pois não permitem uma avaliação individual das necessidades de proteção de cada pessoa envolvida, nem dos riscos que as pessoas enfrentariam se fossem devolvidas ao Haiti. Além disso, elas estão a ser realizadas por funcionários de migração com base em discriminação e perfil racial, falhando assim em garantir o princípio de igualdade e não discriminação”, acusa a AI.
Texto redigido por 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.