A guerra civil no Sudão, iniciada há cerca de um ano e meio, é considerada o maior conflito da atualidade, mas também aquele que tem sido sistematicamente esquecido pela comunidade internacional. Estima-se que 150 mil pessoas tenham perdido a vida em combate e outras tantas sucumbido à fome e a doenças, e a guerra está a transformar o país num dos maiores campos de refugiados do mundo, com cerca de 10 milhões de deslocados, cerca de um quinto da sua população.
Uma investigação conjunta realizada por um coletivo de jornalistas dos jornais Le Monde (França), Washington Post (Estados Unidos) e Sky News (Reino Unido) revelou imagens que provam crimes de genocídio perpetrados pelas Forças de Apoio Rápido (FAR), e apoiadas pelos Emirados Árabes Unidos. Os vídeos mostram membros das FAR cometendo atrocidades contra civis não árabes, gritando “Vitória para os árabes”. Os registos obedecem a um padrão de limpeza étnica já registado por organizações humanitárias no início deste ano em El Geneina, onde terão sido mortas cerca de 12 mil pessoas.
Desde abril do ano passado que dois grupos militares sudaneses, as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e as Forças de Apoio Rápido (FAR), lutam pelo poder, após a destituição do presidente, Omar al-Bashir, que esteve no poder durante 30 anos. As FAS são forças do exército regular constituídas por 200 mil soldados e são lideradas pelo general Abdel Fattah al-Burhan. As FAR, lideradas pelo general Mohammed Hamdan Dagalo, possuem um número calculado entre 70 mil a 100 mil membros, e atuam de maneira semelhante à de uma guerrilha.
Fome em Zamzam
As Nações Unidas lançaram um alerta de fome no campo de refugiados de Zamzam, perto da cidade de El Fasher. Também segundo a organização dos Médicos Sem Fronteiras, estima-se que o campo de Zamzam acolha entre 300 mil a 500 mil pessoas. Este campo de refugiados, situado no Darfur, enfrenta uma das piores crises alimentares registadas pela ONU, com níveis de desnutrição e mortalidade consideradas alarmantes.
Em El Fasher, onde viviam muitos dos deslocados de Zamzam, apenas um hospital permanece parcialmente de pé, depois de os outros terem sido danificados ou destruídos no conflito. Apesar de não existirem garantias de que todas as situações no país estejam devidamente referenciadas, devido à dificuldade de acesso, as organizações humanitárias identificaram 14 áreas do país que poderão estar a enfrentar os mesmos problemas de Zamzam. Calcula-se que, dos 10 milhões de deslocados, 70 por cento enfrentem riscos sérios de fome. Esta situação é agravada pelo facto de a ajuda humanitária não chegar ao seu destino. Também por isso, especialistas internacionais salientam que o agravamento da situação no Sudão poderia ser significativamente menorizado se a comunidade internacional lhe desse apenas um pouco da atenção que dedica atualmente às guerras da Ucrânia e de Israel.
Texto: Carlos Camponez