O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, garantiu na tarde de segunda-feira, 11 de novembro, que a “questão dos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja não pode, não deve e não terá uma volta atrás”.
Falando em Fátima no início dos trabalhos da assembleia plenária do episcopado, o bispo afirmou que a hierarquia católica dará uma “atenção constante ao sofrimento das vítimas” e terá uma atitude de “firmeza na formação e na prevenção, bem como na clareza e determinação no tratamento de eventuais casos futuros”.
“Sabendo que ninguém pode pagar ou anular os dramas do passado, queremos que este seja um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão, que contribuam para sarar feridas e afirmar a dignidade, contra a qual nunca alguém devia ter atentado”, afirmou ainda o presidente da CEP.
A assembleia dos bispos, que decorre até quinta-feira à hora de almoço, tem o tema dos abusos como um dos pontos da agenda, devendo debruçar-se sobre a criação de um fundo, “com contributo solidário de todas as dioceses”, cujo objectivo é compensar financeiramente as vítimas de abuso. O fundo foi aprovado na última assembleia plenária da CEP, em abril, e divulgado em 25 de julho. Estão em causa os pedidos de compensação que venham a ser apresentados até dezembro de 2024. Os bispos ainda não esclareceram o que acontece a quem eventualmente venha a apresentar o seu caso depois dessa data.
Houve vítimas que vieram a público criticar a metodologia aprovada pela CEP, sobretudo no que respeita à necessidade de expor de novo o seu caso, depois de já o terem feito à Comissão Independente (CI), que estudou os abusos entre as crianças e jovens na Igreja em Portugal. De acordo com o regulamento aprovado pelos bispos, cada pedido de compensação tem de ser apresentado ao Grupo Vita ou à respetiva comissão diocesana, criado pela CEP na sequência do relatório da CI, o que implica uma revitimização, dizem várias opiniões críticas do método proposto.
O próprio Grupo Vita, que inicialmente reagiu às críticas feitas na praça pública a essa metodologia, acabou a propor aos bispos uma revisão das regras, embora sem especificar quais.
O ex-ministro da Educação e militante do PS, João Costa, foi um dos que criticou duramente o regulamento aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para a fixação de compensações financeiras para as vítimas de abuso. A coordenadora do Grupo Vita, a psicóloga Rute Agulhas, reagiu ao texto, embora sem o referir, procurando justificar os critérios definidos nesse mesmo regulamento e motivando um comentário duro da antiga Comissão Independente. Na ocasião, o bispo Ornelas disse ao 7Margens que os dados sensíveis recolhidos pela CI não eram para ser facultados ao Grupo Vita. [ver 7Margens].
No discurso de abertura o presidente da CEP afirmou que os bispos têm “consciência de que a realidade dos abusos sexuais e os dramas das vítimas que causaram não deixou indiferente nem a Igreja nem a sociedade”. Há um “caminho percorrido”, acrescentou, que inclui a criação das comissões diocesanas e a respetiva coordenação nacional, o trabalho da Comissão Independente e o Grupo Vita, focado na prevenção e na formação. O processo de decisão sobre as compensações financeiras é mais uma etapa nesse caminho, diz, para “ir ao encontro pessoal de cada uma das vítimas”.
Em fevereiro de 2023, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica apresentou o seu relatório de um ano de trabalho, tendo validado 512 casos de abusos entre 1950 e 2022, chegando, por extrapolação, ao número mínimo de 4815 vítimas.
Pós-JMJ, Sínodo e guerras: faltam “profetas de esperança”
Noutro ponto do seu discurso, o bispo Ornelas referiu-se ao pós-JMJ, que está também na agenda dos bispos. O episcopado irá analisar um projeto que “pretende contar com os próprios jovens nesta dinâmica de participação e esperança”, de forma a manter o “dinamismo vivido e anunciado” na Jornada Mundial da Juventude do ano passado.
Durante a visita ad limina ao Papa e à Cúria Romana, no final de maio, foi “comum” a nota de “apreço e alegria pelo desenrolar da JMJ de 2023 em Lisboa, pela sua organização e pelo clima de festa, universalidade e fraternidade gerado entre os jovens, sinal de esperança para a Igreja e para o mundo”, afirmou o bispo.
Sobre a assembleia do Sínodo que terminou no final de outubro, em Roma, o bispo José Ornelas prometeu que a CEP estará “empenhada” na “leitura e no processo de transformação” que o Documento Final, aceite e como que promulgado pelo Papa logo no final dos trabalhos, “pode e deve produzir na Igreja”.
“Este Sínodo só será inútil se não receber a atenção que merece, pela leitura atenta e o conhecimento por parte da Igreja” e deve conduzir a “mudanças de mentalidade”, acrescentou o presidente da CEP, que com o vice-presidente, o bispo de Coimbra, Virgílio Antunes, foi um dos dois delegados da CEP. O bispo de Setúbal, cardeal Américo Aguiar, foi nomeado este ano pelo Papa como membro do Sínodo, e o cardeal Tolentino Mendonça, do Dicastério para a Cultura e Educação, integrou também o leque de participantes portugueses.
Referindo-se ao facto de a assembleia – que decorreu em duas etapas, em outubro do ano passado e no mês passado – ter mobilizado milhões de pessoas em todo o mundo desde 2021, Ornelas disse que “nunca tamanho processo de escuta e participação tivera lugar na Igreja”.
“Se este Documento [Final] não transformar a Igreja, não serve de nada”, concluiu o bispo de Leiria-Fátima.
José Ornelas alertou ainda para o facto de os últimos meses terem acentuado “a polarização política, imprópria para regimes democráticos e que parece esquecer as conquistas que mudaram o rumo da História de Portugal, há 50 anos”. Acrescentando que “o equilíbrio parlamentar só tem sentido se for agente da dignificação da política”, o presidente da CEP acrescentou que as pessoas que ocupam “cadeiras de poder não podem defraudar as cidadãs e os cidadãos que os elegeram para contribuir para o bem de todos, a dignidade de cada vida e a afirmação de projetos que são garantia de um futuro melhor para toda a sociedade”.
O bispo referiu ainda o “drama da guerra”: “Sucedem-se conflitos que nos comovem com o seu séquito de miséria, fome, doença e destruição, que conduzem à perda dramática de vidas humanas, especialmente anciãos, mulheres e crianças indefesas e inocentes, que constituem a maioria das vítimas deste desvario.”
Evocando o Médio Oriente, a Ucrânia, Moçambique e “tantas outras geografias do mundo”, o bispo afirmou que a CEP tem estado em contacto com a Conferência Episcopal de Moçambique, por causa da “delicada situação que o país atravessa, com ataques às populações e os protestos após as eleições”, pedindo “soluções que afirmem a justiça e a verdade da democracia”. Ao mesmo tempo, denunciou “a situação desastrosa” que se vive em Gaza: “Continuamos a afirmar a necessidade da libertação de todos os reféns e o respeito pelas populações que estão a ser tratadas em transgressão de todos os princípios e acordos internacionais, bem como dos valores da mais elementar humanidade, causando dezenas de milhares de mortos e um número muito maior de feridos, sendo 70 por cento destas vítimas mulheres e crianças.” E perguntou: “Pode-se ser um ser humano e esquecer esta brutalidade?”
Apelando a que surjam “profetas de esperança e de mundos novos” que aparecem “sobretudo em situações sombrias, difíceis, injustas e de grande sofrimento”, o bispo de Leiria-Fátima afirmou que é urgente “sonhar e construir uma história nova, livre do ódio, da injustiça, da guerra e da miséria, com prioridade aos mais frágeis e excluídos”.
Texto redigido por António Marujo/jornal 7Margens, ao abrigo de uma parceria com a Fátima Missionária.