Niall O’Rourke, responsável pelos assuntos humanitários da ACT Alliance, refere: “O Sudão é onde a maior crise de deslocamento do mundo continua a desenrolar-se, mas ainda assim a situação no Sudão continua subnotificada”. Foto: Refugiados no Sudão do Sul. © Anita Kattakhuzy/Oxfam

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) acaba de apresentar a sua “Visão geral humanitária global para 2025”. No documento, lançado esta quarta-feira, 4 de dezembro, nas cidades de Genebra, Kuwait e Nairobi, a organização mostra que vai precisar de cerca de 45 mil milhões de euros para dar resposta às crises humanitárias no mundo ao longo do próximo ano. Num planeta onde 305,1 milhões de pessoas precisam de assistência, este valor visa fornecer auxílio a 189,5 milhões.

“O mundo está em chamas”, alertou em Genebra Tom Fletcher, chefe de Assuntos Humanitários das Nações Unidas. “A combinação de conflito, crise climática e desigualdade criou uma tempestade perfeita”, explicou.

A verba que está a ser solicitada para 2025 deverá ser aplicada em coordenação com 1,5 mil parceiros, na prestação de assistência no terreno. O único país de língua portuguesa que integra a lista dos beneficiários é Moçambique, onde existem 2,5 milhões de pessoas com necessidade de ajuda.

A falta de fundos é já uma realidade. Segundo os serviços de comunicação das Nações Unidas, até ao passado mês de novembro, estava disponível apenas 43 por cento do apelo de 47,5 mil milhões de euros para todo o ano de 2024. “Os efeitos do subfinanciamento levaram a uma redução de 80 por cento na assistência alimentar na Síria, a cortes nos serviços de proteção no Myanmar, à redução de apoio com água e saneamento no Iémen e ao aumento da fome no Chade”, indica a ONU.

Em declarações à comunicação social por ocasião da publicação do documento, Tom Fletcher considerou particularmente dramáticos os casos de Gaza, Sudão, Ucrânia e Síria, onde é observado “o desrespeito pelo direito internacional e, em todos os casos, uma obstrução da ação humanitária”. Com um total de 123 milhões de pessoas deslocadas à força devido a conflitos, Fletcher aponta como prioridade a necessidade de uma atuação internacional para garantir o acesso à ajuda.

Através do lançamento deste documento, as Nações Unidas explicam que pretendem também apelar a um “maior respeito e compreensão das leis de guerra e do direito internacional humanitário pelos combatentes, para que sejam protegidos civis e equipas de ajuda que este ano registaram níveis históricos de mortes”.

Maior crise humanitária está no Sudão

A propósito do lançamento do documento ‘Visão geral humanitária global para 2025’, as organizações cristãs ACT Alliance e Caritas Internationalis apelam aos líderes mundiais, governos e ao sistema da ONU que financia a resposta humanitária, para fortalecer o apoio ao Sudão. Através do seu website, a Cáritas recorda que é no Sudão que se vive “a maior crise humanitária do mundo”, e refere que os governos doadores, as agências da ONU e outras organizações humanitárias, precisam de “dar melhor suporte aos socorristas locais da linha de frente, como igrejas, organizações femininas, redes de jovens e outros grupos comunitários que são a ‘espinha dorsal’ da resposta humanitária”.

Christian Modino Hok, diretor humanitário da Caritas Internationalis, apela a um aumento do apoio aos “grupos comunitários locais, que são os primeiros a responder, mas até agora recebem apoio inadequado do sistema internacional”. “Apoiamos fortemente o apelo da ONU por apoio dos doadores, mas precisamos de encontrar maneiras de ‘romper’ a burocracia e agir em solidariedade com os grupos locais no terreno, que têm acesso às comunidades necessitadas e estão a salvar vidas.”

Niall O’Rourke, responsável pelos assuntos humanitários da ACT Alliance, refere que a resposta a conflitos que “têm importância geopolítica para governos poderosos recebe apoio, enquanto os esforços para salvar vidas noutros lugares são ignorados”. “O Sudão é onde a maior crise de deslocamento do mundo continua a desenrolar-se, mas ainda assim a situação no Sudão continua subnotificada”, alerta.

A Cáritas recorda que o conflito do Sudão teve início em abril de 2023 entre as Forças de Apoio Rápido (RSF) e as Forças Armadas Sudanesas (SAF). O conflito obrigou mais de 11 milhões de pessoas a deslocarem-se internamente, e forçou mais de 2,3 milhões a fugir do país. Metade da população enfrenta uma crise de segurança alimentar. A cólera, uma doença altamente contagiosa, já matou mais de 1.000 pessoas e infetou 35.000 pessoas em 11 estados, agravando o sofrimento em acampamentos sobrelotados com acesso limitado a cuidados de saúde. A Caritas Internationalis e a ACT Alliance apelam aos atores humanitários, decisores políticos e governos para que priorizem o Sudão e tomem medidas para travar a crise humanitária que se está agravar.