Júlio era um rapazinho franzino, pequeno para a sua idade. Era sensível e destemido. Tinha uma capacidade especial para ver e escutar o que se passava à sua volta e não conseguia ficar quieto face a injustiças, nem dirigidas a si próprio nem a outros. Com este seu jeito, ganhou a alcunha de “O advogado”, o que na verdade até o envaidecia e reforçava a sua energia.
Um dia, na escola, viu um seu colega do 9.º ano a forçar um aluno do 5.º ano a ceder-lhe o telemóvel até ao final do dia. Como este resistia, o rapagão intimidava-o:
– Tu é que escolhes: ou emprestas ou ficas sem ele. E nada de queixinhas, senão tás feito!
Júlio sentiu a revolta a invadi-lo e, sem hesitar, agarrou no colega pelo braço e ordenou:
– Dá o telemóvel ao miúdo! Vi tudo e “quem está feito” és tu se eu te vir a repetir isso com este ou com mais algum miúdo!
Estupefacto com aquela intromissão e atrevimento, o rapagão olhou de alto para os olhos do pequeno Júlio e nem tentou resistir. Algo lhe dizia que aquele miúdo não brincava. Entregou o telemóvel ao pequeno que, ainda em choque, permaneceu imóvel, até que a mão forte de Júlio sobre o seu ombro lhe mostrou que agora estava protegido.
Naquele dia, Júlio decidiu: era preciso formar um batalhão de proteção daqueles que não conseguiam proteger-se. O poder dos que impunham o seu poder aos colegas só existia porque não havia alguém a fazer-lhes
frente e ele sozinho era insuficiente.
Foi falar com a sua diretora de turma. Ela apoiaria a sua ideia, tinha a certeza. E tinha razão! Um mês depois, havia um novo projeto na escola – o clube “Os aguerridos”, que contava já com três professores e cinco colegas voluntários – e o número tendia a crescer à medida que a sua divulgação era feita nas turmas. Caixas de correio com o nome do clube estavam espalhadas pela escola onde, discretamente, podiam ser colocados pedidos de ajuda de quem, mais tímido, não tinha coragem de se dirigir pessoalmente a denunciar as violências que sofria.
Um pequeno “exército” de voluntários destemidos faziam guerra aberta às violências silenciosas e ocultas. A sua presença pacífica junto dos mais frágeis, armados com os valores da solidariedade e da justiça era demasiado poderosa para não ser considerada por quem usava a opressão como forma de satisfação pessoal.
No final do ano, Júlio era coordenador de um grupo de 50 voluntários. A sua surpresa feliz foi descobrir que o número de colegas “aguerridos”, que se importavam, era muito maior do que os que dominavam pela violência. Organizarem-se, unirem-se e afirmarem os valores da solidariedade e de fazedores da paz, fazia daquela escola um lugar mais seguro e melhor para viver. A sua unidade tornava-os ainda mais destemidos e temíveis.
A escola passou a ter uma nova disciplina que não era dada em sala de aula e da qual não recebiam notas mas que completava a formação de qualquer homem e mulher ativos, que se importam e, aguerridamente, constroem a paz.
Texto: Teresa Carvalho | Ilustração: David Oliveira