Naquele tempo de menino, Jaime sonhava ser grande. No seu imaginário, via-se aviador a conhecer o mundo, ou, quem sabe, ir à lua?!

Menino sensível, teve o seu primeiro choque na escola ao ver e ouvir colegas a derrubarem outros, a ridicularizá-los das formas mais humilhantes.

Ao Luís, mais obeso, chamavam de “toucinho” e deitavam na sua mesa restos de comida.

Ao Manuel, que tinha uma voz diferente, chamavam-no de “menina” e à Luisinha, que chorava facilmente, dependuraram um babete e uma chupeta ao pescoço, com todos a rirem.

Até o Carlinhos que andava com dificuldade foi empurrado, caindo no chão lamacento do pátio.

Quanto mais aflitos ficavam, mais o Alfredo e o seu grupinho se divertiam e repetiam aquilo que chamavam de “piadas”.

Ninguém tinha coragem de desafiar Alfredo pelo medo de serem também humilhados.
Um dia, Jaime usou toda a sua coragem e contou ao professor. Alfredo e o grupo foram castigados e a turma foi encorajada a denunciar tais comportamentos.

Alfredo, por medo, deixou de humilhar em público e o grupinho dispersou e perdeu o seu poder. Mas o olhar de Alfredo fez Jaime perceber o que era sentir terror de alguém que está ao nosso lado com desejo de destruir.
A possibilidade de “ser apanhado” era tão ameaçadora que evitava estar sozinho em algum lado. Até a vontade de estudar e o sono tranquilo desapareceram.

A avaliação escolar tão desastrosa obrigou-o a contar aos pais o sucedido. A partir daí tudo foi mais fácil: ver o orgulho sentido pelos pais por ele ter agido em favor dos colegas foi a melhor avaliação que ele podia receber. Percebeu então que não havia razão para temer qualquer Alfredo. O seu grupo era bem maior e mais poderoso – o dos que defendem os valores do respeito e da justiça.

Jaime cresceu. Não foi aviador nem astronauta mas a sua sensibilidade de menino agudizou-lhe a visão de longo alcance para detetar injustiças.

E via tantas e tão variadas formas de exclusão: por assumir opções diferentes, por ser de outra condição económica, por não seguir a moda do momento; por ser de grupos distintos, sempre isto: a “diferença” como razão para “excluir”! Afinal, aquilo que os meninos com educação deficiente faziam na escola, acontecia também e de forma mais gravosa no mundo dos adultos Como combater isto?
Jaime “lançou mão” daquilo que tinha para partilhar: a escrita.

Criou uma página nas redes sociais escrevendo sobre os acontecimentos do dia a dia sempre alertando e insistindo no respeito pelo direito de cada pessoa a ser feliz.
– “Podemos mudar isto”, dizia. Ou, – “Se isto só prejudica, por que insistimos?”, “Porque calamos?”

A sua página passou a ser seguida por centenas de leitores. Jaime escrevia cada vez mais. Era um dever!
Sentiu-se desafiado e escreveu um livro.
É o grito de Jaime. Grito contra a humilhação, a destruição possível, contra a dor, mas também de crença na amizade. Nele, ensina a oferecer o abraço a quem é despojado do lugar que é seu por direito e a contrariar a pequenez de quem oprime por não saber respeitar nem amar.
Jaime tornou-se, afinal, voador – não de avião mas de uma utopia – que se tornará real, se formos todos “astronautas à conquista do sol para todos”!

Texto: Teresa Carvalho | Ilustração: David Oliveira