Foto: Cáritas Diocesana de Coimbra

Os objetivos inscritos na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-30 continuam “muito longe da atual realidade em Portugal” e “não serão alcançáveis com as atuais tendências”, alerta a Cáritas Portuguesa no seu mais recente estudo, que será apresentado esta terça-feira, 18 de março, no Auditório Alto dos Moinhos, em Lisboa, e ao qual o 7Margens teve acesso em primeira mão.

Intitulado “Pobreza e exclusão social em Portugal: uma visão da Cáritas 2025”, o estudo – coordenado por Nuno Alves – é a segunda edição do relatório anual da instituição sobre o tema, tendo por base uma análise dos indicadores oficiais do INE e a leitura do Observatório sobre os mesmos.

Esta leitura revela que, “nos últimos anos, os progressos no combate à pobreza e exclusão foram mais modestos que os observados no período anterior à pandemia”, sendo que, “em várias dimensões, tem havido mesmo um retrocesso, nomeadamente no aumento do número de pessoas sem capacidade para ter uma alimentação adequada ou no número de pessoas em situação de sem abrigo”. Para que haja “progressos adicionais”, serão necessárias “intervenções de natureza mais estrutural e mais focadas nos segmentos de maior exclusão”, assinala o relatório.

Tendo em consideração que os dados foram “registados numa fase cíclica muito favorável da economia portuguesa”, com “crescimentos do emprego, dos salários reais, das pensões, das transferências sociais e, globalmente, do rendimento disponível real das famílias”, não restam dúvidas de que os diferentes indicadores “concordam na conclusão de menores progressos na luta contra a pobreza no período recente”, sublinha o Observatório.

E como “inevitavelmente, o ciclo económico irá inverter no futuro”, particularmente “tendo em conta os atuais riscos geopolíticos globais”, o estudo alerta que “uma eventual crise económica e social inverteria certamente os ténues progressos registados nos últimos anos”.

“É assim urgente um novo impulso na luta contra a pobreza e a exclusão em Portugal”, conclui o Observatório Cáritas. E atingir os objetivos traçados para 2030 “exigirá um investimento muito maior da sociedade na luta contra a pobreza”.

Situações “estruturais”

Ao longo de 34 páginas, o relatório destaca indicadores reveladores da dimensão da pobreza e exclusão em Portugal, nomeadamente a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores, que corresponde atualmente a cerca de 9% (e tem flutuado em torno de 10% no passado recente), o que contrasta com um objetivo de 5% na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, ou a percentagem de crianças em risco de pobreza, que se situa em cerca de 18% (e tem flutuado em torno de 19% no passado recente), o que contrasta com um objetivo de 10%.

O documento sublinha que, em 2023, a taxa de risco de pobreza situava-se acima da média nas crianças (17,8%), mas também na população idosa (21,1%), nos indivíduos com escolaridade até ao 9º ano (23,5%), nas famílias monoparentais (31,0%), nos desempregados (44,3%) e nos indivíduos com restrições severas à atividade, uma aproximação ao grau de deficiência (33,0%).

“Com exceção das crianças, todos os restantes grupos apresentam um aumento da prevalência da pobreza entre 2019 e 2023”, refere o Observatório Cáritas, alertando que a relativa estabilidade na taxa de risco de pobreza nos últimos anos tem “resultado da conjugação de um efeito de composição favorável (ou seja, de uma menor percentagem da população em cada um dos grupos identificados) e não tanto por progressos na prevalência da pobreza em cada um dos grupos”. Assim, “mesmo numa economia em pleno emprego e com um forte crescimento do rendimento disponível das famílias, persistem assim situações estruturais de famílias com baixos recursos, sem uma tendência de diminuição”, diz o estudo.

Em 2024, de acordo com as estatísticas do INE citadas pelo relatório, “cerca de 500 mil pessoas viviam em privação material e social severa, 266 mil não tinham capacidade financeira para terem uma alimentação adequada, 649 mil não tinham capacidade para comprar roupa nova, mais de 1 milhão não tinham meios para gastar uma pequena quantia consigo e mais de 1,6 milhões não conseguia manter a casa devidamente aquecida”.

E o Observatório Cáritas destaca ainda as cada vez maiores dificuldades no acesso à habitação. “Com o aumento acentuado das rendas e dos preços da habitação, o acesso a uma habitação adequada tem-se revelado cada vez mais desafiante. Esta é uma das razões que sustenta a permanência muito maior dos jovens em casa dos pais em Portugal, em comparação com os restantes países europeus”, refere o relatório, acrescentando que, na rede Cáritas, nos “últimos anos, têm sido inúmeros os pedidos de ajuda para pagamento de rendas”, o que “é um sinal claro de dificuldade de muitas famílias em assegurar essas prestações”.

Muitos casos “invisíveis”

O relatório aponta, por outro lado, que as estatísticas oficiais não revelam as dificuldades com que se deparam “as pessoas em situação de sem abrigo, os reclusos nas prisões, os nacionais ou migrantes que vivem em alojamentos temporários ou as comunidades nómadas”. E vários destes casos, “invisíveis nas estatísticas oficiais, recorrem ao apoio da rede Cáritas distribuída em todo o país”.

A instituição sublinha, nesse contexto, que “uma tendência recente muito relevante é o aumento dos pedidos de apoio por parte de imigrantes”. “As estatísticas oficiais da pobreza e exclusão em Portugal ainda têm dificuldade em captar esta realidade, nomeadamente pelo forte dinamismo destes movimentos migratórios e pela sua concentração num período muito curto, posterior à recolha de informação dos Censos. Mas ela revela-se no dia-a-dia da rede Cáritas”, lê-se no relatório, que dedica um capítulo inteiro à “a privação material e social dos imigrantes”.

Face à ausência de dados recentes relativamente a esta população, o Observatório Cáritas dá o exemplo “revelador” de Espanha, onde “cerca de 20% da população estrangeira vive em privação material e social severa (33% em privação material e social)”. Em Portugal, alerta o relatório, “o maior risco de pobreza está essencialmente associado aos mais baixos salários auferidos pelos trabalhadores estrangeiros”.

“O modo como cuidamos dos mais frágeis é o que nos define”

Olhando para o que está a ser feito para dar resposta aos problemas da pobreza e da exclusão, o Observatório Cáritas verificou que, de acordo com as estatísticas do Eurostat, as despesas públicas em proteção social (excluindo pensões) ascendiam a 6,7% do PIB em Portugal em 2022, comparativamente a cerca de 9,5% na área do euro. Quanto às despesas públicas mais direcionadas às famílias/crianças e à exclusão social, situavam-se em 2,4% do PIB em Portugal, igualmente abaixo da área do euro (2,9% do PIB). “Esta evidência sugere que há margem para aumentar os recursos públicos dedicados ao combate à pobreza em Portugal, partindo das melhores práticas a nível europeu”, conclui o relatório.

A verdade é que, em Portugal, “são ainda muitas as famílias marcadas pela pobreza e exclusão social”, sublinha o documento. E “quebrar a natureza estrutural desta realidade deve ser um eixo prioritário das políticas públicas e da intervenção da sociedade civil”, defende a Cáritas.

Para a instituição da Igreja Católica, “o modo como cuidamos dos mais frágeis é o que nos define” e “a proximidade aos mais vulneráveis é o primeiro passo para semear novos mecanismos de erradicação da pobreza exclusão em Portugal”. Essa é “uma missão da Cáritas”, mas não só.

A apresentação do estudo acontece no âmbito da Semana Nacional Cáritas, que decorre até 23 de março, incluindo diversas iniciativas, entre elas a realização do habitual peditório nacional em favor desta organização, que apoiou no ano passado mais de 120 mil pessoas.

Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.

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