Nádia apenas tinha a sua mãe, e Helena apenas tinha a sua filha. A vida não era fácil, mas ambas aprenderam e ofereciam uma afetividade que cativava. Helena, com poliomielite em criança, sempre usara canadianas, mas agora, mais cansada, só se deslocava em cadeira de rodas. Uma doença pulmonar obrigava-a a estar ligada ao oxigénio. Sentia-se ‘prisioneira’, incapaz de cuidar da sua menina.
Nádia, de dez anos, era já a segurança da mãe. Teve de crescer depressa e sem enganos sobre a realidade. Assustava-a saber que a mãe podia precisar de si e ela não estar lá. Ou poder ela precisar da mãe e ela não a poder socorrer.
No atual estado de incapacidade da mãe, sabiam que era preciso separarem-se. Para aliviarem as horas de angústias e perguntas sem fim, sonhavam:
– E se pudermos ir juntas para uma instituição onde possam cuidar de nós?
– Talvez haja uma família que diga que nos quer receber para sempre…
Estes sonhos falados a duas vozes, eram os preferidos de ambas antes de adormecer.
Um dia, tiveram de assumir que o sonho lindo era só para adormecer. Disseram-lhes que tinham mesmo de se separar: não havia um sítio que acolhesse Helena e Nádia para sempre, nem uma família que pudesse cuidar ou quisesse cuidar de ambas. Helena seria acolhida numa instituição para idosos, apesar dos seus 45 anos, e Nádia numa família de acolhimento ou numa instituição para jovens. O sonho morreu.
Inventaram então outro sonho para afastar o negro da noite: se cada uma tivesse um tablet, poderiam ver-se e ouvir-se todos os dias. Esta descoberta, deixou Nádia a dançar como pião à volta da mãe, e ambas riam, riam felizes, acreditando que poderiam continuar a partilhar tudo.
Numa outra ponta da cidade, Anabela, o marido e duas filhas procuravam completar a sua vida de família, oferecendo-se para cuidar de uma criança que deles necessitasse. Quis o “destino” que Anabela fosse a professora de Nádia. Ao conhecer a história desta menina doce, que distribuía sorrisos, Anabela não teve dúvidas: era mesmo ela! A seu pedido, os serviços competentes avaliaram a família e decidiram. Nádia ficaria confiada aos cuidados de Anabela e da sua família.
A menina nem podia acreditar: a magia existia mesmo…
Mas, a mãe? Helena já nem se lembrava de si. A sua menina ficaria bem entregue à senhora professora Anabela, de quem Nádia tanto gostava. As suas orações foram ouvidas. Já tinham um dinheirinho poupado para terem ambas a prenda do tablet no Natal. “Tudo vai correr bem” – repetia Helena, tentando acreditar.
Anabela era atenta. E gigante na generosidade. Ao conhecer Helena, não se conteve perante a angústia misturada com esperança que lia nas lágrimas sem controlo daquele rosto dorido… e soube logo que podia fazer algo mais:
– Helena, eu não posso tê-la também aos meus cuidados, mas posso levá-la algumas vezes lá a casa. Podemos começar já pelo Natal.
Anabela viu então o abraço mais marcante de sempre. Helena e Nádia ficaram como que coladas, rindo, rindo, rindo, como se o universo tivesse, todo ele, virado para elas toda a sua luz. Nádia e Helena podiam mesmo viver a magia de amar e sonhar, sem medo de acordar, porque a realidade desejada continuaria lá, para elas. Anabela e a sua família acabavam de encontrar a melhor prenda de Natal: nos seus corações preenchidos pela generosidade, nascia uma menina doce a distribuir sorrisos todos os dias, e a sua mãe agradecida, a poder amar, abraçar e rir de felicidade. Naquele Natal todos beberam da fonte inesgotável da felicidade.