Friedrich Merz venceu as legislativas de 23 de fevereiro e já negociou uma coligação entre a sua CDU/CSU e o SPD. Nenhum dos dois factos é surpreendente, pois os democratas-cristãos ganharam cinco das últimas seis eleições para o Bundestag, a câmara baixa do parlamento em Berlim, e a aliança com os sociais-democratas é a solução governativa mais repetida desde que a fragmentação do sistema partidário impede maiorias claras. Mas o novo chanceler tem uma série de desafios completamente novos pela frente, como rearmar uma Alemanha que se sente ameaçada pela Rússia (que em 2022 invadiu a Ucrânia) e abandonada pelos Estados Unidos da América, tradicional aliado que com Donald Trump como presidente parece ter perdido o entusiasmo pela NATO. Fala-se de um investimento de 500 mil milhões de euros, e de até um bilião no espaço de uma década, valores que incluem também renovação e construção de infraestruturas e um pacote ambiental.

Para conseguir os dois terços de apoios no Bundestag que lhe permitirão ultrapassar certas regras orçamentais e investir forte no rearmamento, Merz chegou a acordo com o SPD e os Verdes para um voto ainda antes de tomar posse o novo parlamento. Foi uma estratégia para evitar futuros bloqueios, pois das eleições de 23 de fevereiro resultou um parlamento muito dividido e no qual os partidos dos extremos – AfD, à direita, e Die Linke, à esquerda – conseguiram juntos cerca de um terço dos deputados, o que pode gerar bloqueios, mesmo não partilhando da mesma ideologia.

A subida da AfD, que obteve 20 por cento e agora é o segundo maior partido, está relacionada com o crescimento do sentimento anti-imigração, que foi inflacionado durante as semanas prévias às eleições devido a alguns atentados realizados por pessoas de origem estrangeira, como o caso do atropelamento propositado em Munique por um afegão que pedira asilo à Alemanha. Apesar de ter já uma boa implantação por toda a Alemanha, a AfD obteve os melhores resultados nos estados alemães que até 1990 eram a Alemanha de Leste, comunista. A grande maioria dos votos do Die Linke também vieram dessa parte do país, que, com exceção de Berlim, a capital nacional, ainda é mais pobre do que o resto do país. O Die Linke tem um discurso de aceitação da imigração, como é regra nos partidos de esquerda, mas curiosamente um grupo de antigos militantes fundou um outro partido, o BSW, que tem uma mensagem hostil aos estrangeiros e que só por muito pouco não entrou no parlamento.

Apesar da questão do rearmamento ser agora prioritária, e de colocar desafios a uma economia que é a maior da Europa mas teima em não crescer, a questão migratória marca muito o debate político no país, ao ponto de a CDU/CSU de Merz ter começado também a endurecer a sua posição em relação a políticas de asilo. É uma mudança importante de orientação, pois foi com Angela Merkel, chanceler democrata-cristã durante 16 anos, que a Alemanha abriu portas em 2015 a um milhão de refugiados, sobretudo sírios. A questão da imigração muçulmana é especialmente sensível, pois cerca de três milhões de turcos e turco-descendentes vivem no país, a maior parte já com nacionalidade alemã.

O SPD mantém a tradicional política de apoio à imigração, mas obteve nas últimas eleições o pior resultado depois da Segunda Guerra Mundial, uma clara derrota pessoal daquele que foi até agora chanceler, Olaf Scholz. Os sociais-democratas veem-se obrigados a aceitar ser o parceiro júnior numa nova coligação governamental, de modo a ajudar Merz a manter a AfD fora do poder.

Nestas recentes eleições, os três partidos da anterior maioria governamental sofreram todos reveses. E se SPD e Verdes se mantiveram no parlamento, os liberais do FDP falharam a fasquia dos cinco por cento, uma regra criada para evitar a fragmentação do Bundestag e a proliferação de partidos extremistas.

A AfD, ou Alternativa para a Alemanha, há muito que tem vindo a ultrapassar a tal fasquia criada para evitar uma repetição da crise que atingiu a democracia alemã entre as duas guerras mundiais e levou à ascensão do Partido Nazi. É um partido com uma história curiosa, pois nasceu em 2013, em plena crise financeira na Europa, como um movimento contra o euro, mas depois da vaga de refugiados de 2015 tornou-se um partido anti-imigrantes. A líder que tem conseguido atrair cada vez mais votantes é também uma figura pouco convencional para um partido que se assume igualmente como defensor dos valores tradicionais, pois Alice Weidel é lésbica assumida e vive conjugalmente com uma suíça de origem cingalesa. E apesar das acusações de fascismo, e dos escândalos com alguns membros do partido mais extremistas, a dirigente da AfD tem-se mantido afastada dessas polémicas e em política internacional não só apoia Israel como faz questão de não ser próxima da Rússia. Recentemente foi elogiada por Elon Musk, o milionário de origem sul-africana que é das figuras mais influentes junto de Trump.

Grande parte da sociedade alemã rejeita o discurso xenófobo da AfD, e mesmo o crescimento eleitoral do Die Linke deveu-se a uma mobilização da extrema-esquerda em zonas onde a extrema-direita estava a crescer. O próprio Merz, muito criticado por uma lei da CDU/CSU restritiva da imigração ter sido aprovada graças aos votos da AfD, tem sido fiel à ideia de ostracizar o partido de Weidel.

Na primeira linha do combate à xenofobia têm estado as igrejas alemãs, tanto a católica como a protestante. Logo após serem conhecidos os resultados eleitorais, o bispo Georg Bätzing, presidente da conferência episcopal, declarou: “o aumento significativo da participação eleitoral é um bom sinal para o nosso país, mostrando que a democracia está a ser levada seriamente. A maioria dos votantes quer um reforço do centro democrático. Espero que tenhamos rapidamente um governo estável que enfrente os desafios”. A presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha, a bispa Kirsten Fehrs, afirmou, por seu lado, que “agora, depois das eleições, os partidos do centro democrático têm pela frente a desafiadora missão de lidar com o resultado de forma construtiva e responsável”. E apelou “a uma Alemanha onde a dignidade humana e o respeito mútuo importem”. Outras vozes das igrejas fizeram-se também ouvir, como o arcebispo Stefan Hesse, de Hamburgo, que declarou que “da minha perspetiva cristã, a justiça social e a integração daqueles que vêm viver junto de nós devem ter presença na agenda política”. Desde a reunificação da Alemanha, em 1990, um ano depois da queda do muro de Berlim, a população estrangeira passou de cinco milhões para 14 milhões. A Alemanha tem atualmente 83 milhões de habitantes.

Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN