“As pessoas estão desesperadas. Esta manhã ouvi alguém dizer: ‘Se não podem dar-nos mais nada, pelo menos deem-nos água limpa.’ Isso mostra a gravidade da situação”. O relato é de um padre católico em Myanmar, que prefere manter o anonimato por receio de retaliações da parte da junta militar no poder, mas faz questão de denunciar o que se passa no país que já sofria com a guerra e agora foi devastado pelo violento sismo: “A Igreja foi uma das primeiras a responder à emergência, mas encontramos barreiras em todas as tentativas de ajudar.”
Apesar de ter sido declarado um cessar-fogo temporário no conflito que já dura desde 2021, os bombardeamentos prosseguiram pelo menos até terça-feira, 1 de abril, e continua a ser “impossível mover ajuda de uma região para outra”, explicou o mesmo padre (da diocese de Loikaw, no leste de Myanmar) à Catholic News Agency na tarde da última quarta-feira, 2 de abril. “A junta militar controla o acesso às estradas principais, há postos de controlo em todos os lugares, e qualquer um que tente trazer suprimentos corre o risco de ser preso ou ter tudo confiscado”, relatou.
A distribuição de ajuda humanitária também foi prejudicada porque muitas estradas e vias principais “foram completamente destruídas” pelo terramoto, assinalou por seu lado Lisette Suárez, uma das coordenadoras da ONG Ação Contra a Fome em Myanmar, que está a gerir e distribuir parte da ajuda humanitária estrangeira que chega ao país.
“Além disso, alguns aeroportos locais ainda estão a trabalhar para restaurar as operações, limitando o transporte aéreo de ajuda humanitária”, acrescentou a responsável. E somam-se a essa paralisia de infraestruturas os problemas administrativos, já que muitas repartições públicas também sofreram danos e alguns dos seus funcionários foram diretamente afetados pela tragédia, destacou Suárez.
O fornecimento de eletricidade e água corrente também continua interrompido, dificultando o acesso a serviços de saúde e aumentando o risco de que surtos de doenças se espalhem através da água e alimentos. Além disso, os hospitais estão a operar com metade da capacidade. “Estão a tratar pacientes nas ruas, com recursos limitados e sem eletricidade. Os poucos centros de atendimento que restam estão sobrecarregados”, referiu a responsável da ONG que atua em Myanmar há 30 anos.
E assinalando que o terramoto não piorou apenas as condições dos deslocados internos pelo conflito, mas “afetou a todos, sem distinção”, Suárez enfatizou: “é essencial garantir acesso seguro e irrestrito a todas as comunidades afetadas, independentemente de quem as controla”.
“Os militares de Myanmar, juntamente com todos os outros atores envolvidos nos esforços de socorro ao terramoto, devem garantir que os princípios dos direitos humanos sejam totalmente respeitados e que as necessidades humanitárias dos sobreviventes sejam a principal prioridade”, reforça o investigador da Amnistia Internacional em Myanmar, Joe Freeman, citado pela revista America, dos jesuítas.
“Não se pode pedir ajuda com uma mão e bombardear com a outra. Realizar ataques aéreos e atacar civis na mesma região onde o terramoto ocorreu é desumano e mostra um flagrante desrespeito aos direitos humanos”, conclui.
Texto redigido por 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.