A história de vida da Colômbia tem aspetos negativos bem vincados, como o são o narcotráfico e o conflito armado interno, em que faleceram milhares de crianças e adolescentes, em situações traumáticas, tais como o sequestro, a perda dos pais e o deslocamento, entre outros atentados contra a sua segurança, estabilidade mental e emocional.
Nos grupos armados, estão presentes menores, que são transformados em guerreiros vestidos de camuflado e carregados com armas sofisticadas. Em geral, encontram-se entre a segunda infância e a adolescência, convertendo-se em atores principais das persistentes guerras colombianas. Não respeitar as etapas do crescimento, é a principal causa de violação de Direitos Humanos.
Perante tal situação, podemos interrogar-nos: porque vinculam menores a um grupo armado? Que razões existem para a manutenção dos menores nos ditos grupos? Se partirmos do estudo científico sobre a adolescência e infância, os meninos e meninas são vulneráveis por serem indivíduos em processo de crescimento e desenvolvimento, com uma estrutura de personalidade e visão do mundo em construção, razão pela qual podem não ter a perceção sobre a problemática do recrutamento, seja forçado, voluntário ou por engano.
Algo semelhante ocorre com a adolescência, que pode considerar-se como uma época de perigos e também de oportunidades, na qual se experimentam transformações, começa a definir-se a identidade e aparecem condutas de risco, influenciadas por fatores sociais, económicos e culturais, que se refletem a nível pessoal, familiar, comunitário e social. O que nos chama poderosamente a atenção, nesta parte do desenvolvimento do jovem, é a sua relação com a sociedade, a influencia que exerce a sociedade sobre o adolescente, a perda da educação paternal, a oferta de um consumo sem limites, a falta de sentido da vida. Para retratar a triste realidade de um país em conflito, cito um caso breve de um jovem desertor, embora, confesso, seja difícil plasmar em palavras esta experiência.
Privado de inocência
Limber é um jovem desertor, oriundo de um ambiente de pobreza, sem qualquer oportunidade de progresso pessoal, que ingressou num grupo armado fora da lei, de forma enganosa e forçada. Conta que conheceu dois jovens com idades entre 14 e 16 anos, que lhe falaram do grupo, do rendimento económico, das armas sofisticadas, do respeito e os benefícios que receberam.
O vulnerável adolescente caiu nessa armadilha mortal, cheio de motivação, a ponto de manifestar que, por um momento, se sentiu um líder dentro do grupo. Mas depois, confrontado com a dura realidade, perdeu o encanto e ganhou medo. Quis arrepender-se, mas foi obrigado a permanecer na guerra, sofrendo tormentos psicológicos pelas situações vividas, medo de morrer, insegurança, solidão, alcoolismo, toxicodependência, suicídio, ameaças, abandono emocional, distúrbios de comportamento e ódio, sendo forçado a testemunhar atrocidades e a cometer crimes; privado de inocência.
Um dia, teve oportunidade de escapar, depois de muitas incertezas e receios de não sair dali vivo. No entanto, quando o fez, sentiu que foi o dia mais feliz de sua vida. Limber, já em liberdade, também narra como é difícil adaptar-se à vida civil, pois é assombrado pelos fantasmas da guerra, sentindo medo de retornar aos locais de conflito armado, experimentando somatizações, stresse pós-traumático e sensações de perseguição.
A Colômbia é um país que luta pela paz e conta com entidades vinculadas à Presidência da República que se encarregam de coordenar, assessorar e executar, em articulação com outras entidades públicas e privadas , o processo de reintegração de pessoas desmobilizadas de grupos armados ilegais.
Pela minha experiência clínica, depois de trabalhar com adolescentes marcados pela guerra, fica evidente o profundo impacto na sua saúde mental, causado pelo sofrimento emocional, que pode até induzir ao suicídio. Muitos deles, nem sequer se sentem vítimas e, dificilmente, podem superar essas experiências traumáticas, a menos que o Estado e a sociedade lhes deem um apoio integral, para promover a construção mental positiva das relações, uma visão positiva do mundo, das pessoas e de suas relações. Razão pela qual devem ser criados projetos de participação juvenil, voltados para a prevenção do recrutamento, que valorizem as potencialidades e recursos desses adolescentes, para que, dessa forma, participem na sociedade como atores sociais. Por isso, nunca estigmatize um ator ou vítima do conflito armado.