No contexto de um global capitalismo, com as nuances próprias das mais variadas tradições por detrás de cada nação ou continente, talvez nos ocorra dizer, que qualquer mudança será sempre melhor que nada.
A atual crise, como a anterior, têm servido para tecer as mais duras críticas a um sistema de governo neoliberal que se apresenta, por um lado, esgotado, e por outro, insuperável. Incapazes, de facto, de sairmos dele, para tentarmos algo que fosse verdadeiramente justo para com todos, o mundo, sobretudo a ocidente, assiste à sua continua recriação, enquanto países sob o peso da ditadura, e encandeados por um brilho envenenado, orquestram, exigem e tentam mudanças, sedentos de liberdade e prosperidade. Ainda recordo a chamada “primavera árabe”, como assisto diariamente às convulsões sociais que não fazem que repetir revoluções conduzidas por outros, e que acabaram no desencanto e em novas ditaduras, disfarçadas de legalidade e democracia.
Ao escrever sobre a revolução Iraniana (1979-81), Michel Foucault conseguiu ver naquele movimento popular, na sua chama-ardente – que sabia perfeitamente o que não queria, mas que não sabia muito bem o que desejava para si – o que chamou de “espiritualidade política”. O que não conseguiu antever ou talvez não lhe interessasse de todo escrutinar, ao escrever positivamente, naquele tempo, sobre a revolução, foi que o Irão voltaria a repetir, por outras vias, o que o povo nas ruas, e em uníssono, tinha gritado: “nunca mais”.
Talvez a mesma “espiritualidade” se encontre presente e constitua a “alma” das manifestações que por estes dias vão emergindo em Cuba, e talvez uma mudança de regime se coloque ali como caminho urgente e irreversível. Mas será o abraço a um modelo de vida mais ocidental, a uma economia de mercado e a um sistema de governo democrático, capaz de anular e impedir a injustiça de uns sobre os outros?
Num atual quadro pandémico, que vê ainda mais acentuadas, tanto a nível nacional como internacional, a pobreza, a desigualdade, o desemprego, a fome, o tráfico de seres humanos, o desprezo pela terra, as mudanças que possam vir a minorar estes como outros desequilíbrios até poderão ser melhor que nada. Mas sem que representem, ao mesmo tempo, uma real rutura com um sistema que se alimenta de injustiça e extermínio, e sem que desejem inaugurar o que possamos ainda nunca ter vivido, o nosso futuro, enquanto pessoas e povo de uma nação, não fará que repetir, por vias eventualmente ainda mais perversas e anuídas à luz do Direito, o nosso mal-estar presente.