Na procura de soluções, o contínuo estudo e análise da crise de refugiados têm mostrado precisamente isso. Ter às portas de nossa casa gente que não conhecemos, ainda por cima, pessoas que podem ser capazes de tudo, por terem perdido o que possuíam, ao abandonarem, por medo, as suas terras e países de origem, pode deixar qualquer um de nós sobressaltado, receoso. E ainda que, neste processo, se lhes abra a porta e se partilhe com eles algum do nosso pão, do nosso espaço, não tanto porque somos generosos, mas pela insistência dos mesmos, porque, temendo pela nossa própria segurança, não vemos a hora de nos desembaraçarmos da sua ameaça, a melhor abordagem permanece a de se evitar a todo o custo o êxodo forçado de pessoas.
Depois de 20 anos de invasão, terá o Afeganistão perdido o interesse de alguns? Terão o seu deserto, o peso da sua pobreza, da sua desolação, relativizado a importância da sua proximidade com países de peso no contexto geopolítico mundial, o valor dos seus minerais, do seu gás natural, do seu ópio?
As imagens desconcertantes que nos chegaram, logo que os Talibans recuperam o poder, são o verdadeiro oposto do que nestes últimos anos o Ocidente se foi dizendo em uníssono, sempre que sobre a mesa de trabalho o tema eram os refugiados. Fogem os invasores e com eles, por descargo de consciência destas mesmas forças, os mais qualificados, dotados, porventura, os menos pobres, aqueles que durante os últimos 20 anos serviram, entre outros, americanos, europeus, chineses e russos, nas mais variadas áreas. Para trás fica o povo na sua maioria, os mais pobres, os mais vulneráveis, os que facilmente se moldam ou se obrigam a endossar a imagem e comado de quem governa.
Se a Europa não tem conseguido responder aos anseios de milhares de refugiados espalhados pelos diversos acampamentos, onde a vida está há anos num deprimente e suicida stand-by, o que terá em mente fazer com milhares de outros por si apadrinhados ou em fuga totalmente desamparada?
Como com a anterior crise, também agora se vão ouvindo vozes de boas vindas a quem quiser também vir para Portugal. Há de facto por cá muito espaço, vilas e aldeias, sobretudo do interior, vazias de vida humana. Mas estaremos preparados para não voltar a cometer o que correu mal no acolhimento e acompanhamento de outros refugiados? A nossa injustiça face a quem nascido ou residente em Portugal, numa situação de pobreza e exclusão social, não será essa mesma a palavra de boas vindas e demora de quem possa acreditar que aqui os Talibans não existem?
Diz-se que o diabo foge da cruz, como também se diz que vá na sua direção, quem, pelas mais nobres razões, viva o seu risco, a sua possibilidade. Não diabolizamos, não deixamos de compreender o que a vida, temendo pela sua segurança e proteção, decide por instinto. Mas para os animais que se têm superado e elevado à categoria de “humano” – o que quer que este possa significar, será a fuga a estratégia que vai conduzir a uma coabitação necessária e urgente, dentro e entre nações, feita de relações não-dominadoras, justas, compassivas e pacíficas?