Ao analisarmos a história sanitária da humanidade, concluímos que os fenómenos endémicos ou pandémicos são cíclicos. A recente pandemia da covid-19 trouxe à memória coletiva a pneumónica, no início do século XX, e a peste negra, em meados do século XIV, todas elas colhendo largos milhares de vidas. No meio de todas elas, existiram sempre outros seres humanos que se predispuseram a ajudar aqueles que foram infetados por estas ou outras doenças.
Um exemplo notável é o de São Damião de Molokai. Nascido a 3 de janeiro de 1840 na Bélgica, e imbuído de um espírito missionário, decidiu ir para Honolulu, no Havai. Por coincidência ou providência divina, por altura da chegada de Damião ao território havaiano, a lepra, que tinha atingido aquele território por volta de 1840, atinge proporções incontroláveis, o que leva as autoridades locais, com o intuito de controlar a propagação da doença, a confinar os infetados na ilha de Molokai, uma das ilhas havaianas de muito difícil acesso. Esta doença altamente contagiosa, que à época parecia incurável e que ainda hoje continua a desafiar a ciência médica, caracteriza-se por lesões permanentes na pele, paralisia dos nervos e putrefacção dos membros, podendo também causar glaucoma e cegueira.
É em Molokai, um local inóspito e desprovido de humanidade, que o padre Damião desembarca a 10 de maio de 1873, onde permaneceu 16 anos, até à sua morte, infetado com lepra, a 15 de abril de 1889. Segundo João Paulo II, no ato de beatificação do padre Damião, em 1995, este sacerdote “viveu uma particular forma de santidade no decorrer do seu ministério”. “Era ao mesmo tempo sacerdote, religioso e missionário. Por meio destas três qualidades, ele revelou o rosto de Cristo, indicando o caminho da salvação, ensinando o Evangelho e sendo um infatigável agente de desenvolvimento. Organizou a vida religiosa e social de Molokai, ilha proibida pela sociedade da época. Com ele cada um tinha o seu lugar, cada um era reconhecido e amado pelos seus irmãos”.
É em perfeita oblação do dom de si que o padre Damião cumpre os votos perpétuos que professou a 7 de outubro de 1860 – os votos de renúncia à propriedade pessoal, à constituição de uma família carnal e aos seus próprios destinos. Todos estes ele cumpriu. Tudo aquilo que pediu às autoridades nunca foi para si, mas para o bem-estar dos habitantes sofridos de Molokai. A pequena igreja que erigiu foi para melhor dar assistência espiritual àqueles que dela necessitavam, renunciou à constituição de uma família carnal e soube constituir uma enorme família espiritual. “Renunciou a si mesmo e pegou a sua cruz” (Mt 16, 24), por amor a Cristo e aos homens. De acordo com Bento XVI, no ato de canonização do padre Damião, em 2009, este sacerdote soube “abrir os olhos sobre as lepras que desfiguram a humanidade dos nossos irmãos e interpelam ainda hoje, mais que a nossa generosidade, a caridade da nossa presença servidora”.
Sem dúvida que podemos falar de um antes e um depois de Damião de Molokai. Numa carta de Madre Teresa de Calcutá, dirigida a João Paulo II, lê-se: “Após o exemplo de Damião de Molokai, no coração daqueles que sofrem de lepra, não mais existe o medo de saber que se está a sofrer da doença, o medo de contar aos outros, o medo de ser tratado. Pelo contrário, existe a esperança de ser curado”.
Texto: Paulo Jorge Barroso