Doze voluntários ligados ao Instituto Missionário da Consolata estiveram durante o passado mês de agosto em Marandallah, uma aldeia remota situada no interior e a norte da Costa do Marfim, onde os Missionários da Consolata se encontram desde 2002. O grupo que partiu em missão é denominado ‘Apôh’, que significa ‘amor’, na língua local de Marandallah.
Os voluntários partiram da região do Porto e de Lisboa, e foram acompanhados por Antony Malila, sacerdote missionário da Consolata queniano, e pelo casal Gonçalo e Iara Magano, Leigos Missionários da Consolata. A maioria dos voluntários eram estudantes, existindo também uma médica, uma enfermeira, uma polícia e uma economista, entre outras profissões.
Retrato do país de missão
Integraram o grupo ‘Apôh’ Afonso Duarte, Carina Gonçalves, Cristiana Soares, Maria Escudeiro, Mariana Baptista, Paulo da Silva e Madalena, Mafalda e Mariana Cardoso. Em declarações à FÁTIMA MISSIONÁRIA, as voluntárias Catarina Guerra, Joana Santos e Liliana Neto fizeram um retrato do cenário encontrado.
“O acesso à educação é um problema em praticamente todo o país. Todavia, está mais acentuado no norte. Oitenta e um por cento da população é analfabeta. Os pais preferem ver os filhos a trabalhar do que a ir à escola. Em Portugal dizemos que ‘ter mais um filho é mais uma boca para alimentar’, na Costa do Marfim, ter mais um filho é ter mais mãos para trabalhar”, explicam os jovens, voltando depois o olhar para a área da saúde.
“As necessidades no setor da saúde em Marandallah baseiam-se, sobretudo, na melhoria da educação. Um dos principais problemas com que nos deparámos foi a anemia, que parecia estar presente em todas as crianças devido a má nutrição. Não necessariamente por falta de dinheiro ou recursos, mas por falta de conhecimento sobre o que se deve comer em qualquer idade. As crianças são alimentadas, maioritariamente, com arroz e isso deixa muitos nutrientes de fora. As pessoas preferem, muitas vezes, vender animais, ovos, legumes e leguminosas que têm e produzem, do que os consumir, porque não sabem que seriam importantes”, adiantam as voluntárias.
“Outra questão na área da saúde refere-se ao uso excessivo das medicinas tradicionais e na demora na procura do centro de saúde. Também neste ponto, a melhoria da educação fará grande diferença. Finalmente, vimos falta de unidades de sangue para transfusões e de certos materiais como câmaras expansoras ou máquina de oxigénio e seus excedentes. Mas o principal a melhorar na saúde seria mesmo a educação da população. Não conhecemos a realidade do resto do país, mas pareceu-nos que é um pouco melhor nas regiões mais urbanas onde a informação é mais facilmente veiculada”, consideram as missionárias, destacando o trabalho da agência das Nações Unidas dedicada à infância.
“Felizmente, a UNICEF investiu muito na Costa do Marfim. Em todo o país existem poços de água. Por norma, são as crianças, de várias idades, que se deslocam aos poços criados pela UNICEF para encherem bidões de água. Também se verifica que os adultos, no final do dia, antes de regressarem a casa do trabalho, se deslocam aos poços para levarem para casa a água e poderem utilizar a mesma para tomar banho, beber ou cozinhar. Não conseguimos precisar a maior carência a nível nacional com apenas um mês de voluntariado, mas, relativamente a Marandallah e a algumas zonas a norte do país, verificámos que a maior necessidade é a carência nutricional. Há muitas crianças que morrem com anemia, visto que não comem nutrientes suficientes”, lamentam as jovens, desenhando depois os seus desejos para o país que tomaram como ‘seu’ ao longo de um mês.
“O nosso maior sonho para a Costa do Marfim é que invistam mais na educação. É na educação que as crianças podem aprender hábitos alimentares e de higiene que permitem melhorar o seu estilo de vida. É importante a aprendizagem para termos mais conhecimento e informação em todas as matérias e a comunidade de Marandallah só o consegue ser, indo à escola”, referem as missionárias, já a partir de Portugal, mas com todos os pensamentos ainda voltados para a Costa do Marfim.
Ao longo de um mês de voluntariado, os jovens fizeram um diário da missão que partilharam nas redes sociais. Um dos primeiros impactos da chegada à Costa do Marfim foi o confronto com os “frutos” do ‘Dar à Costa’, um projeto missionário de 2018. “É bastante visível o crescimento da escola secundária construída na altura, juntamente com a ajuda do governo desde então”, destacam.
Reabilitação de uma escola
Na comunidade de Ouèrèbo, em Marandallah, decorreram durante o passado mês de agosto as obras de reabilitação de uma escola de uma “comunidade remota, sem água, luz e bens essenciais, onde 250 crianças não estudam por não terem condições para estudar”. Neste lugar, os jovens trabalharam com o propósito de “proporcionar um melhor futuro” aos alunos. Envolveram-se na pintura e ilustração de salas de aula, e entraram em contacto com situações que os sensibilizaram. “Três jovens – Cassum, Nifou e Abu – trabalham e nunca estudaram. Um deles não sabe a sua idade”, referem.
Após as obras, teve lugar a inauguração da escola. “Foi com grande alegria que fomos recebidos pela comunidade de Ouèrèbo. À festa juntaram-se grupos musicais, a associação de mulheres de Ouèrèbo, o chefe da comunidade, imã, diretores da escola e toda a população de Ouèrèbo. Ficámos muito contentes e com o sentimento de missão cumprida. Todas as crianças da comunidade podem estudar e ter esperança por um futuro melhor”, afirmam.
Recuperação do centro de saúde
Os materiais médicos levados de Portugal “foram recebidos com grande entusiasmo” no Centro de Saúde de Marandallah, e contribuíram para que a farmácia ficasse “abastecida”. Os voluntários acompanharam uma equipa médica na realização de rastreios, pintaram o centro de saúde, e criaram um mural com mensagens que visam sensibilizar a comunidade para “comportamentos a adotar”, na área da “higiene e nutrição”. “Foi a maior prenda que demos a todos os profissionais”, contam.
Entre os voluntários estava uma médica que sensibilizou os pais para a adequada nutrição das crianças, e promoveu o consumo de alimentos ricos em ferro, uma vez que os voluntários se “depararam com casos graves de anemia” e identificaram no centro de saúde um grande número de crianças doentes devido à má nutrição que se deve, sobretudo, à falta de conhecimentos sobre uma adequada nutrição.
Contacto com a comunidade
No decorrer da missão, os voluntários “visitaram famílias mais carenciadas, onde entregaram cabazes com alguns bens alimentares e têxteis”, incluindo roupa doada pela organização “Dress a girl around a world”. Os jovens deslocaram-se também até “Somokoro, uma comunidade perto de Marandallah, muito pobre e com muitos poucos recursos”.
Os voluntários encontraram-se com o líder religioso muçulmano da comunidade de Ouèrèbo, e visitaram a mesquita de Marandallah, “o que se tornou numa experiência bastante interessante por haver uma abertura e diálogo inter-religioso”. Os membros do grupo foram convidados a conhecer alguns chefes de comunidades, e “tiveram a oportunidade de comer algum alimento oferecido”. A interação com as crianças fez parte de cada dia e envolveu diversas brincadeiras.
Balanço de um mês de missão
“Para trás ficou uma casa que nos acolheu, e crianças com mais oportunidades para aprender e sonhar. Ficou um centro de saúde com cartazes de sensibilização sobre a alimentação, e profissionais mais motivados e sempre muito competentes. Ficaram famílias com os símbolos e materiais do nosso empenho e amor, e várias vilas com mais oportunidades para educar, com mais criatividade e saúde. Voltamos com o sentimento de missão cumprida, concretizados, agradecidos e, principalmente, com o coração cheio de amor”, afirmam os jovens.
Os voluntários agradecem a todos os que apoiaram a sua missão, nomeadamente àqueles que “deram uma ajuda incansável, seja em bens materiais, nas angariações, em ideias e tudo o que podiam ajudar”. “Não podemos deixar de agradecer a toda a comunidade de Marandallah que nos recebeu de braços abertos. O coração veio mesmo a transbordar”, afirmam.
Texto: Juliana Batista