Desde janeiro passado, mais de 25 mil migrantes chegaram às costas britânicas depois de atravessarem o Canal da Mancha a bordo de barcos improvisados | Foto de arquivo: EPA / Juan Medina

As pessoas que procuram segurança “são muitas vezes encurraladas sem acesso a cuidados de saúde ou proteção em países que não pertencem à União Europeia (UE), mas que têm acordos de cooperação com a UE”, referem os Médicos Sem Fronteiras (MSF), no contexto do lançamento do seu último relatório sobre o tema, intitulado “Death, despair and destitution: the human costs of the EU’s migration policies”, que mostra o que membros daquela organização testemunharam entre agosto de 2021 e setembro de 2023.

Os Médicos Sem Fronteiras afirmam que se preocupam com a “conduta da guarda costeira líbia durante interceções no mar que, em alguns casos, chega a pôr em risco a vida de pessoas em perigo”. “São-nos frequentemente reportados casos de violência durante interceções pelos nossos pacientes na Líbia e no Geo Barents, o navio de buscas e salvamento da MSF”, refere a organização humanitária. De acordo com os Médicos Sem Fronteiras, entre 2016 e 2021, o “número de pessoas que tentaram sair da Líbia pelo mar e que foram forçadas a regressar novamente ao país aumentou drasticamente”.

Um homem natural dos Camarões, resgatado no mar em 2022, contou à organização humanitária o que viveu a bordo do barco. “Fiz-me ao mar com 83 pessoas, num barco branco insuflável. Connosco estava uma mulher grávida. Às 19h30, vimos os líbios atrás de nós. Aproximaram-se e gritaram – ‘Parem imediatamente ou disparamos’. Dissemos-lhes que ‘Não’, que não podíamos parar. Eles circundaram-nos enquanto tentávamos escapar. O capitão recusou-se a parar. Dispararam contra o barco para tentar afundá-lo. Começou a entrar água. Aí não tivemos outra escolha. Atiraram-nos uma corda e vieram para cima de nós, gritando e insultando-nos. Ajudámos a grávida a entrar no barco líbio. Tivemos de embarcar rapidamente, porque o nosso barco se estava a afundar. Conheço um maliano e um guineense que se afogaram assim.”

Segundos os MSF, as pessoas quando regressam à Líbia “são frequentemente transferidas para centros de detenção”. “Migrantes e refugiados nesse país são detidos arbitrariamente e presos em centros à margem da lei, onde não há acesso garantido a cuidados de saúde”, refere o organismo humanitário que entre janeiro de 2022 e julho de 2023, realizou “23.769 consultas de saúde primária em oito centros de detenção no Oeste da Líbia”. As equipas dos MSF assistiram “indivíduos em situações de extrema vulnerabilidade, incluindo crianças não acompanhadas, pessoas com deficiência física ou doenças crónicas e sobreviventes de tráfico humano ou tortura”.