Resolver o problema habitacional dos mais necessitados, em Portugal, deverá passar por fornecer casas “a preços acessíveis ou controlados”, recuperando imóveis degradados, mas ainda habitáveis, como “conventos, igrejas inativas e outros edifícios públicos espalhados pelas cidades”, ou adaptando “seminários e outros edifícios devolutos”. A solução é uma entre as várias apresentadas no mais recente estudo promovido pela Cáritas Portuguesa, no âmbito do seu Observatório da Pobreza e da Fraternidade, apresentado na última quarta-feira, 15 de maio, em Lisboa.
O estudo, intitulado “Habitação Social na UE e em Portugal: Situação Atual e Desafios Futuros”, foi conduzido por José Ramos Pires Manso, Professor de Economia na Universidade da Beira Interior, e faz um balanço da atual situação da habitação na União Europeia e em Portugal – com base sobretudo nos dados do Eurostat -, apresentando depois ideias concretas para a resolução dos problemas descritos a nível nacional, algumas delas inspiradas nas melhores práticas de outros países.
“Enquanto existam sem-abrigo devemos envergonhar-nos”
Sem surpresa, um dos principais problemas identificados prende-se com o número crescente de pessoas em situação de sem-abrigo, sobretudo nas grandes cidades, e aponta a “prevenção” como chave. “A prevenção deve estar no centro de atenção de todas as estratégias para os sem-abrigo, a fim de evitar os seus muitos impactos humanos, sociais e financeiros”, pode ler-se no relatório.
Na prática, a Cáritas sugere a “urbanização de terrenos e sua disponibilização a preços baratos para habitação social e sem fins lucrativos”, o “reforço do apoio à saída das instituições de adultos, jovens e crianças, nomeadamente ao nível da habitação”, e pede também o “encaminhamento de mais investimento para habitação pública e/ou social, ou seja: fim ao subinvestimento crónico em habitação social e/ou habitação de arrendamento acessível”.
Neste campo, o estudo assinala ainda a importância da “redução da burocracia na aprovação de projetos de habitação para fins sociais ou para habitação de pessoas em situação de sem-abrigo”. Entre as propostas apresentadas para a resolução deste problema, a Cáritas inclui ainda a “atribuição de subsídios ao arrendamento de casas a que os sem-abrigo possam recorrer para resolver o seu problema habitacional”.
Implementar projetos financiados pelo Estado do tipo Housing First – abordagem de assistência aos sem-abrigo que dá prioridade ao fornecimento de habitação permanente, sem exigir que as pessoas que vivem em situação de rua resolvam todos os seus problemas, incluindo problemas de saúde comportamental, ou que se formem numa série de programas de serviços antes de terem acesso à moradia – é outra das soluções referidas no relatório.
O documento sugere ainda que Estado e autarquias colaborem no sentido de fornecer “habitações gratuitas, mas com um mínimo de dignidade e infraestruturadas aos que não têm condições de pagar qualquer montante a título de rendas”, ou então “habitações com rendas muitos suaves igualmente com um mínimo de dignidade e infraestruturadas aos que, tendo algum rendimento, ainda têm condições materiais e mentais de pagar alguma coisa”.
Mas “a par do problema habitacional, está também o “fornecimento de alimentação social aos que o desejem assegurado por estas mesmas entidades, em cantinas sociais coletivas que funcionem no mínimo ao almoço e ao jantar e todos os dias do ano”, lembra ainda o estudo. “Enquanto existam sem-abrigo devemos envergonhar-nos como sociedade porque isso significa que ainda não resolvemos o problema”, afirma o relatório, alertando que, nesta matéria, “requer-se uma decisão urgente e rápida dos poderes públicos”.
A preocupação com os mais jovens
O documento, de 58 páginas, sugere igualmente uma série de medidas concretas para resolução do problema habitacional dos mais necessitados, em particular dos jovens (menores de 45 anos) e pessoas das classes baixas e médias.
É neste campo que a Cáritas Portuguesa inclui o fornecimento de casas “a preços acessíveis ou controlados, a jovens, técnicos, professores, liberais, etc.”, como imóveis degradados, mas ainda habitáveis e infraestruturados (com água, luz e gás), que sejam propriedade do Estado, e dá o exemplo de “conventos igrejas inativas e outros edifícios públicos espalhados pelas cidades”. A organização propõe ainda a “adaptação de seminários e outros edifícios devolutos a habitação que possa ser cedida para habitação a preços acessíveis”.
A colocação no mercado de habitações devolutas das autarquias, da Igreja e suas dioceses, IPSS, Misericórdias e outras ONG, depois de recuperadas, protocoladas ou arrendadas pelo Estado para arrendamento a preços acessíveis é outra das medidas propostas.
Além disso, a instituição da Igreja Católica sugere a cedência de terrenos infraestruturados nas cidades para edificação de habitação social, “seja para autoconstrução, mas vendidos a preços moderados (a grupos de jovens, técnicos, professores, liberais, etc.)”, ou então “vendidos em hasta pública a preços de mercado (a grupos que desejem fazer autoconstrução em grupo)”. O relatório da Cáritas propõe ainda a “elaboração de um programa de financiamento para autarquias, IPSS, Misericórdias, cooperativas, etc. para construção de habitação a preços acessíveis ou moderados”, tendo como promotor o Estado.
Combater o isolamento dos idosos e a iliteracia
O estudo aponta ainda uma série de propostas direcionadas à promoção de habitação para os mais idosos, especialmente para pessoas a viver em casas arrendadas, mas também para proprietários que necessitem de ajuda ou procurem combater o isolamento.
Entre as medidas referidas no estudo, inclui-se o “pagamento de rendas a pessoas necessitadas”, à semelhança do que acontece com os fármacos, a implementação de um “programa de apoio à pesquisa de casas para arrendamento por pessoas necessitadas”, e a criação de espaços de “habitação colaborativa em vivendas ou apartamentos destinados à terceira idade”, onde as pessoas vivam “organizadas numa estrutura que lhes confere apoios e serviços como se fosse um condomínio”.
A Cáritas propõe ainda que sejam criados “programas específicos para redução ou eliminação da iliteracia na área de habitação, incluindo negociação com bancos com vista à obtenção de um financiamento para este efeito (quer isoladamente pela Cáritas quer em parceria com a banca, autarquias, misericórdias…)”.
Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária