Um projeto de lei constitucional destinado a dar direito de voto a todos os franceses nascidos no território ultramarino da Nova Caledónia ou ali residentes há pelo menos dez anos provocou uma série de motins, recordando a destruição e a desolação que marcaram o arquipélago entre 1984 e 1988. Os canacas, a população original daquelas ilhas do pacífico, consideram que o projeto do presidente francês, Emmanuel Macron, poria fim às suas aspirações independentistas, num processo que, no seu entender, está ainda por concluir.
A solução do futuro da Nova Caledónia foi regulada em 1988 pelos acordos de Nouméa, que previam a realização de três referendos, nos quais só os canacas e os habitantes residentes na ilha há várias gerações, conhecidos por caldoches, seriam consultados. Se os canacas são maioritariamente independentistas, os caldoches defendem a continuidade da administração francesa.
Nos primeiros dois referendos, realizados em 2018 e 2020, a causa independentista perdeu, embora, no segundo, por uma margem que dava esperança aos independentistas de poderem sair vencedores na terceira e última consulta popular, prevista para 2021. Face ao aumento dos defensores da causa independentista, os líderes canacas consideraram que precisavam de mais tempo para promover a sua causa e procuraram atrasar o último referendo.
É nesse contexto que os independentistas pediram ao governo de Paris que adiasse por um ano a última consulta popular sobre os destinos do arquipélago. O argumento usado foi o de que os canacas, no respeito pelas suas tradições ancestrais, deveriam guardar um ano de luto pelas vítimas da covid-19 que afetou de maneira particular aquela população.
O níquel e a geopolítica
Paris não aceitou a proposta e a Frente de Libertação Nacional Canaca e Socialista (FLNKS) decretou um boicote eleitoral. No referendo de 2021, 96,5 por cento da população votou contra a independência, mas a taxa de abstenção foi de 56,1 por cento. Por isso, quando, em maio, o governo de Macron quis alargar o direito de voto a todos os franceses residentes no território, os independentistas consideraram que Paris queria impor um resultado que não foi reconhecido por todas as partes envolvidas. Apesar das insistências para adiar a iniciativa legislativa, Paris não aceitou e o conflito estalou.
A Nova Caledónia detém 20 a 30 por cento das reservas mundiais de níquel, uma matéria-prima muito importante na composição de baterias elétricas. O controlo desta matéria-prima constitui para os especialistas um dos fatores que explica tanto o interesse francês pelo território, como a esperança acalentada pelos independentistas na sua autonomia.
Para além disso, com a crescente tensão na região da Ásia-Pacífico, entre os Estados Unidos da América e a China, a Nova Caledónia constitui um espaço estratégico fundamental para dar voz à França num eventual futuro conflito. Não será por acaso que, entre um dos principais atores nos motins, se encontram, surpreendentemente, redes sociais e ativistas do Azerbaijão, um país próximo da Rússia.
Texto: Carlos Camponez