O governo da Tanzânia está sob pressão, acusado por várias organizações não-governamentais de forçar o povo maasai a abandonar o seu habitat de há muitos séculos e de castigar de vários modos aqueles que resistem. O impedimento de votar nas próximas eleições foi a mais recente medida de que tomaram conhecimento.
O conflito surgiu em 2021, quando as autoridades governamentais lançaram um programa de incentivo à “realocação voluntária” dos maasai da Área de Conservação de Ngorongoro (ACN), no norte do país, onde tradicionalmente viveram, para Msomera, uma vila localizada a mais de 400 quilómetros, na região de Tanga.
Recorde-se que a ACN foi classificada como património mundial, sendo considerada “a Arca de Noé” da África oriental, por albergar, num ecossistema relativamente preservado, a quase totalidade das espécies animais daquela região, nomeadamente os assim designados “cinco grandes” (rinocerontes, elefantes, leões, leopardos e búfalos). O governo, que tem a responsabilidade do cuidado dessa área, tem procurado desenvolver uma oferta turística topo de gama, preservando os animais selvagens, mas não as pessoas.
A principal crítica que os membros do povo maasai fazem ao plano de “realocação voluntária” é, precisamente, o facto de ela não ser voluntária, mas forçada. Queixam-se de terem tido um “tratamento desumano” por parte das forças de segurança, de ausência de informação e de diálogo e prévios, nomeadamente com os líderes comunitários.
A ONG Human Rights Watch (HRW), em comunicado emitido no último sábado, 31 de agosto, afirma ter entrevistado, desde agosto de 2022 e durante mais de um ano, quase 100 pessoas – incluindo moradores da ACN que enfrentavam realocação ou tinham sido já realocados em Msomera e moradores atuais de Msomera, tendo confirmado que o plano governamental “esteve longe de ser voluntário”. “Ao implementar o seu plano, conclui a HRW, as autoridades usaram táticas que equivalem implicitamente a despejo forçado, em violação das leis e padrões internacionais de direitos humanos”. “Despejos forçados constituem violações graves de uma série de direitos humanos reconhecidos internacionalmente”, denuncia a organização.
Mesmo aqueles que, com medo e forçados pelas condições de vida e restrições de serviços básicos que o Governo impôs na ACN, se deixaram levar para Msomera, foram lá encontrar uma situação explosiva, dado que quem já lá vivia viu as suas terras serem ocupadas à força, revoltando-se contra os novos ocupantes, segundo o relato do HRW.
Outro problema enfrentado por quem foi deslocado para Msomera foi a não consideração da “natureza complexa das famílias”, muitas das quais são polígamas, multigeracionais e multifamiliares, não se adaptando à dimensão das casas atribuídas. Acresce que cada chefe de família recebe uma casa para a sua família, mas, segundo a cultura maasai, ele não pode ter as várias esposas a viver com ele na mesma casa. “Consequentemente, algumas famílias tiveram de usar parte da compensação insuficiente que receberam do Governo para construir casas adicionais, de modo a acomodar esposas e famílias maiores e preparar a terra para os seus animais”, refere o comunicado da HRW.
A situação chegou a tal ponto que os maasai iniciaram, em 14 de agosto último, uma impactante manifestação, com bloqueios pacíficos de uma importante rodovia do país, para protestar contra as injustiças de que se consideram vítimas e exigir medidas para as reparar. Nessa manifestação, ficaram a saber que o Governo do país excluiu do recenseamento eleitoral um conjunto de comunidades num total de mais de 100 mil maasai, o que os vai impossibilitar de votar nas eleições locais de novembro deste ano e nas eleições gerais de 2025.
A manifestação persistiu vários dias, ao fim dos quais uma delegação governamental compareceu para dialogar com os manifestantes. Os compromissos assumidos oralmente, a serem levados à prática, poderiam representar um recuo governamental no sentido pretendido pelas comunidades afetadas, segundo a informação veiculada pelo IWGIA – International Work Group for Indigenous Affairs, uma organização global que defende os direitos das comunidades indígenas.
Indo ao encontro das reivindicações que o povo maasai têm vindo a apresentar, a organização de direitos humanos defende que “o Governo da Tanzânia deve interromper imediatamente as realocações de moradores da ACN” e consultar todas as comunidades, buscando o “consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas afetadas”, assim como os moradores que foram afetados em Msomera.
Também os bispos católicos daquele país africano exigem que o Governo respeite os direitos do povo maasai, recordando-lhe que “os ativos do país são propriedade do próprio povo, cabendo ao Governo um papel de mero administrador em nome do povo”.
Falando na sua qualidade de presidente da Conferência Episcopal da Tanzânia, o bispo Wolfgang Pisa afirmou que a comunidade maasai deve ser respeitada, ouvida e não pressionada a assumir posições que ponham fim ao seu modo de vida”. E criticou as autoridades por negarem aos maasai “serviços essenciais, incluindo o seu dever democrático de votar”.
“Não é verdade que as pessoas estão a mudar voluntariamente; são forçadas a sair e estão a levantar as suas vozes quanto à negação dos seus direitos. (…) O Governo deve sentar-se à mesa com o povo de Ngorongoro; não os forçando a mudar”, disse o bispo Pisa.
Ainda sobre este caso, refira-se também que a Avaaz abriu, na internet, a possibilidade de se pressionar o Governo tanzaniano a respeitar os direitos das comunidades maasai, particularmente o impedimento de votar.
Texto redigido por Manuel Pinto/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.