O patriarca de Lisboa, Rui Valério, disse que a pergunta era “retórica”, quando quis saber se era para continuar a experiência do primeiro encontro nacional de jovens católicos que decorreu em Lisboa neste sábado e domingo. Os cerca de três mil participantes responderam em coro que sim e o anúncio da próxima edição veio logo a seguir: será Lamego, talvez em 2026.
Foi o bispo de Bragança e presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, quem disse qual era a cidade escolhida. Minutos depois, admitiria ao 7Margens que o encontro, que surgiu na continuidade da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, possivelmente se realizará só daqui a dois anos: em 2025, os mais novos serão mobilizados para ir a Roma, durante o jubileu convocado pelo Papa e os bispos pensam que será desaconselhável haver uma segunda proposta. Mas a decisão final sobre a segunda edição do “Rejoice!” (palavra inglesa para “alegra-te!”) deverá ser tomada em Novembro, na assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa.
Numa curta mensagem em vídeo no final da “missa de envio”, o Papa Francisco já remeteu para mais longe, pedindo aos jovens portugueses que “sigam em frente” e convidando-os a encontrarem-se na Coreia do Sul, em 2027, para a próxima JMJ.
Na sua homilia, o patriarca sugeriu aos jovens três “lugares existenciais onde Jesus está presente: a existência como doação e como entrega”, morrendo para “o egoísmo, o orgulho, a prepotência, a superficialidade, a violência”; o lugar “de quem vive para servir e não para ser servido”; e o fazerem-se “úteis como Jesus”, estando “onde estão os que não têm lugar e voz”.
Talvez por acaso, cinco imigrantes de rosto asiático escutavam também ao fundo a homilia do patriarca. Ao lado, uma das paredes mostrava as bandeiras de todos os países do mundo, que participaram na Jornada Mundial da Juventude de Agosto do ano passado.
Desencontro entre líderes mundiais e sentir dos povos
Na frente do altar debaixo da pala do antigo Pavilhão de Portugal da Expo 98, microfone na mão e estabelecendo mesmo diálogo com os jovens, o patriarca perguntou: “O que é naturalmente mais fixe? Ser o primeiro ou o segundo? Desde o berço, a família, a escola, quer-nos no topo”, afirmou. Mas “a epopeia da mudança que queremos que aconteça no mundo começa no nosso coração” e deve ir no sentido de que cada um faça “a paz dentro” de si mesmo para que “aconteça paz onde há guerra”. Trata-se, disse, de “alterar critérios e padrões de vida, transformar os sentimentos e impulsos, os nossos instintos”. E acrescentou: “O primeiro campo de evangelização, antes de ser a cidade, a minha diocese, a minha escola, o primeiro lugar é dentro de mim.”
Quem quer procurar Jesus, acrescentou, deve fazê-lo “numa doação até ao fim, numa radicalidade de oferta”, porque os cristãos têm “uma experiência do encontro, do Cristo que aconteceu” na vida de cada um. E por isso os jovens cristãos são chamados a ser missionários, no sentido de “rasgar caminhos de amanhã” e de transformar a “vida, capaz de iluminar os carreiros e caminhos, as autoestradas e os desvios de cada vida”. Em resumo: “Onde Cristo acontece também acontece o ser humano, na afirmação da justiça e na promoção da paz”.
No final da missa, em declarações ao 7Margens, Renascença e Ecclesia, o patriarca lamentou que haja um “desencontro entre o desígnio dos responsáveis” políticos a nível mundial e o “verdadeiro sentir do seu povo”: a humanidade está “desejosa e ansiosa para pôr termo à guerra” e promover “a paz, a justiça e os direitos humanos”. E os jovens, sempre que escutavam referências às guerras ou às injustiças, manifestavam “uma sensibilidade espetacular”. O que leva o patriarca a formular um voto: “Que os grandes responsáveis das nações [escutem] mais os jovens das suas nações, os seus jovens, porque eles são o principal barómetro para compreender a rota e o rumo que a própria humanidade quer assumir”.
Para que os jovens assumam mais a defesa da paz, o patriarca Valério sugere que a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica e as catequeses nas paróquias sejam lugares de formação para a cidadania ativa.
Descobrir a centralidade da pessoa
“Os mísseis e as bombas (…) estão a dizimar vidas, um valor supremo, e a destruir história”, afirmou o patriarca. “Estamos, aos poucos, a destruir a memória da humanidade”, o que compromete “a esperança e o futuro”.
Neste quadro, os jovens cristãos devem ter as suas vidas “centradas no Evangelho e em Jesus”, redescobrindo a “centralidade da pessoa” e valorizando a sua história e a sua cultura.
Depois de ter estado no sábado à tarde “muito tempo” a confessar jovens, o patriarca ficou “surpreendido” por notar que os jovens não se renderam “ao materialismo”, mas estão abertos a uma “dimensão essencial da existência humana, que é a dimensão espiritual”.
Precisamente sobre essa dimensão e também sobre a paz na família e no mundo conversaram os jovens na manhã de domingo em dez pontos da cidade de Lisboa. Com um guião comum, ouviram três testemunhos sobre uma história de como um casal de namorados ultrapassou receios, de como se sobrevive em Cabo Delgado fugindo ao terrorismo e de como se pode aprender a ultrapassar dificuldades pessoais.
Na paróquia do Alto do Lumiar, o padre Tiago Fernandes, formador no Seminário dos Olivais, insiste em que a paz, numa perspetiva cristã “é ter paz interior e cuidar do outro”. E há “muitas coisas por fazer”, acrescenta. Em pequenos grupos, os jovens partilham dificuldades existenciais, processos de decisão difíceis ou de instabilidade emocional, dificuldades de relação, momentos de oração pacificadores, problemas de saúde… Insistem na importância de estar em paz consigo mesmo para poder levar ao mundo uma mensagem de paz.
Na véspera, na vigília de oração, a jovem libanesa Hila Maria, de 15 anos, seguia o caminho inverso: “Sem paz no mundo, não podemos ter paz espiritual. Como posso ter paz se o meu primo, só com dez anos, anda a fugir das bombas? Falta a resposta à pergunta: qual o papel de cada um de nós para alcançar a paz?…”
Perguntas que ficaram.
Texto redigido por António Marujo/jornal 7Margens, ao abrigo de uma parceria com a Fátima Missionária.