Na missa que marcou o fim do Sínodo sobre a Sinodalidade – ou talvez fosse mais correto escrever: na missa que marcou aquele que o Papa pretende que seja o início de uma nova fase da Igreja – a mensagem de Francisco foi clara e corajosa: “Não precisamos duma Igreja sentada e desistente, mas duma Igreja que acolhe o grito do mundo e – quero dizê-lo e talvez alguém se escandalize – uma Igreja que suja as mãos para servir o Senhor”.
Nas primeiras filas em frente ao altar da Basílica de São Pedro, no passado domingo, dia 27, escutavam – literalmente sentados, e alguns com ar visivelmente cansado – quase todos os que participaram na segunda e última assembleia do Sínodo: os bispos e padres na nave central; os cardeais do lado direito do transepto, e as religiosas, leigas e leigos do lado esquerdo. Uma separação altamente contrastante com a das mesas “mistas” e dispostas lado a lado que pautou os trabalhos daquelas mesmas pessoas ao longo do último mês, na aula Paulo VI.
Por momentos, parecia que o espírito sinodal havia desaparecido, mas as palavras do Papa traziam-no de volta. De resto, também elas contrastavam, de certa forma, com aquele cenário cristalizado no passado. “Perante as interrogações dos homens e mulheres de hoje, os desafios do nosso tempo, as urgências da evangelização e as muitas feridas que afligem a humanidade, irmãs e irmãos, não podemos ficar sentados!”, continuou o Papa. E insistiu: “Uma Igreja sentada, que quase sem se aperceber se afasta da vida e se confina a si mesma à margem da realidade, é uma Igreja que corre o risco de continuar na cegueira e de se acomodar no seu próprio desconforto. E se permanecemos sentados na nossa cegueira, continuaremos a não ver as nossas urgências pastorais e os muitos problemas do mundo em que vivemos”.
Por isso, pediu claramente: “Não uma Igreja sentada, mas uma Igreja em pé. Não uma Igreja muda, mas uma Igreja que acolhe o grito da humanidade. Não uma Igreja cega, mas uma Igreja iluminada por Cristo, que leva aos outros a luz do Evangelho. Não uma Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas estradas do mundo”.
Inspirado pelo Evangelho do dia – que contava como Bartimeu, um cego que mendigava à beira do caminho, ao ouvir Jesus passar começou a gritar, implorando que lhe devolvesse a visão – o Papa pôs em destaque a atitude de Jesus, que contrariamente ao que esperavam d’Ele, parou e escutou o cego, e explicou que o Sínodo impulsiona a Igreja a, também ela, acolher inúmeros gritos.
Francisco enumerou alguns: “O grito dos que querem descobrir a alegria do Evangelho e dos que, pelo contrário, se afastaram; o grito silencioso dos indiferentes; o grito dos que sofrem, dos pobres e dos marginalizados, das crianças escravizadas pelo trabalho infantil em tantas partes do mundo; a voz quebrada – ouvir a voz quebrada! – dos que já nem sequer têm força para gritar a Deus, porque não têm voz ou porque se resignaram”… e outros exemplos não lhe faltariam.
O Papa assinalou depois que “o Evangelho diz de Bartimeu que ‘seguiu Jesus pelo caminho’” e que essa é também uma imagem da Igreja sinodal: o Senhor chama-nos, levanta-nos quando estamos sentados ou caídos, faz-nos recuperar uma nova visão, para que, à luz do Evangelho, possamos ver as inquietações e os sofrimentos do mundo; e assim, reerguidos pelo Senhor, experimentamos a alegria de O seguir pelo caminho. Segue-se o Senhor pelo caminho, não O seguimos fechados nas nossas comodidades, não O seguimos nos labirintos das nossas ideias: seguimo-Lo pelo caminho”.
Mas quando, no final de uma celebração que terminou com o convite à veneração da relíquia da antiga Cátedra de São Pedro, recentemente restaurada, as portas da Basílica se abriram para a Praça, de novo a separação: primeiro o Papa, depois os cardeais, logo a seguir os bispos e restante clero, e só depois todos os “outros”… dirigiram-se para a saída. Que caminho seguiriam?
Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.