O Santuário de Fátima inaugura a sua nova exposição temporária, no piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade, este sábado, 30 de novembro, às 14h30. A mostra tem como título Servir, a única pregação, e assinala o centenário da Associação dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima, também conhecida apenas pelo nome Servitas.

Numa visita prévia à exposição exclusiva para os órgãos de informação, realizada na tarde de quinta-feira, 28 de novembro, sob orientação de Marco Daniel Duarte, comissário da exposição e diretor do Museu do Santuário, este recordou que a associação dos Servitas existe desde 1924, tendo sido criada pelo bispo de Leiria daquela época, José Alves Correia da Silva, “para ajudar a organizar o culto e o espaço celebrativo do Santuário de Fátima”. Desde então, os Servitas prestam apoio nas celebrações e “bastidores” do Santuário de Fátima, incluindo “no acolhimento aos peregrinos”.

Gesto do lava-pés: a humildade e o serviço

São os Servitas que, no posto de socorros do santuário, lavam os pés os peregrinos, depois destes terem caminhado longas distâncias. O gesto do lava-pés é retratado na Bíblia, que mostra que na sua Última Ceia Cristo lavou os pés aos discípulos. Este gesto é interpretado desde então como uma atitude de humildade e de serviço ao outro. O lava-pés retratado na Bíblia e o que é executado pelos Servitas têm um objeto comum – um jarro, onde a água é colocada. É por esse motivo que o jarro está presente em vários pontos desta mostra.

Organizada em sete núcleos temáticos, a exposição abrange diversas disciplinas como a escultura, pintura, tapeçaria e ourivesaria. Estão presentes documentos históricos, assim como obras de renomados artistas contemporâneos portugueses, além de novas criações realizadas especialmente para esta ocasião. Entre as obras há um fragmento de um túmulo de 1383, uma réplica em tamanho real do púlpito do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, e o andor de Nossa Senhora até há poucos anos usado nas procissões no santuário.

O exemplo da mulher

O quarto núcleo da exposição é centrado na mulher. Uma das obras que integra este núcleo é a pintura Entre as Mulheres, de Luiz Cunha (2006). Nesta obra, o autor apresenta a Mãe de Cristo entre diversas mulheres, como a sua mãe e a sua esposa, mas retrata também a Rapariga com Brinco de Pérola, de Vermeer, a Maternidade, de Almada Negreiros, e a representação de uma mulher feita por Picasso. “O que significa este quadro nesta exposição? Precisamente, a expressão que é rezada pelos peregrinos no santuário – “Bendita és tu entre as mulheres”. A Virgem entre as mulheres mais conhecidas da história da arte”, explicou Marco Daniel Duarte.

O sexto núcleo tem como título Diakonia. Entre as obras em exposição, está a peça Veste para Febe?, criada este ano por Ana Lima-Netto. O tema do diaconado feminino assume assim a sua presença nesta mostra. “Esta exposição não quis passar adiante de um dos temas mais prementes da Igreja atual. Esse tema foi lançado pelo Papa Francisco, é um tema que está em aberto, e a exposição coloca esse tema também em aberto, através de uma peça, que se chama Veste para Febe?”, refere Marco Daniel Duarte.

“Segundo o que o Papa Francisco quer, é que a Igreja olhe para este tema e perceba se de facto as mulheres podem ou não aceder a esta ordem do ministério ordenado. O que a exposição aqui coloca é esse debate em cima da mesa, a partir também da expressão de São Paulo, que na Carta aos Romanos diz, de uma forma muito clara, que uma mulher, de nome Febe, era diaconisa. Se depois essa diaconisa é ordenada sacramentalmente ou não, isso é um debate para os teólogos. Esta exposição tem a obrigação, obviamente, de concorrer também para esse debate.”

O diretor do Museu do Santuário refere que esta exposição “não esquece” que “a história não pode continuar a ser escrita apenas no masculino”. “Não se trata aqui de um discurso revisionista. O que é importante é perceber, de facto, que tipo de servidores existem na história da humanidade, e esses servidores passam por exemplos que são masculinos e femininos. Desde logo a figura de Maria, que é algo incontornável, mas não é apenas a figura de Maria. É também a figura de uma Jacinta Marto, de uma Lúcia de Jesus, ou de Febe, essa mulher que servia a comunidade, e de tantas mulheres que ao longo da história são também servidoras, dentro e fora dos muros da Igreja. Esta exposição mostra também o rosto feminino da Igreja servidora.”

Chamados a interagir

Ao longo da mostra, o público é convidado a sentar-se para refletir sobre o que vê, e também a pegar num jarro, que tem uma caneta agarrada a si, e a escrever numa tela atos de serviço que coloca em prática no seu dia a dia. A ‘tinta’ desta caneta é invisível, e as palavras só se tornam visíveis depois do visitante acionar uma luz que revela tudo o que está escrito no painel.

Com o título E eu?, esta instalação foi elaborada este ano por Marco Daniel Duarte e Humberto Dias, e faz parte do sexto núcleo da exposição. “Pegar no jarro não é apenas uma questão religiosa. É uma questão de sermos mais humanos, porque a humanidade não se sustenta, sem que passe por esta ideia de servir o próximo”, diz o comissário da exposição.

Marco Daniel Duarte destaca que esta exposição “é revolucionária” porque inverte papéis. “No mundo atual parece que nos colocamos só na parte do mundo que quer ser servida, e temos todo um mecanismo à nossa volta que nos serve. Aqui, a revolução é precisamente esta. Esta exposição mostra-se a inverter os papéis. Como é que eu sou capaz de me ver como servidor? Como servo?”

Dezenas de boas notícias

O sétimo e último núcleo da exposição apresenta ao público um conjunto de notícias que pretendem mostrar aquilo que pode acontecer quando as pessoas se colocam ao serviço umas das outras. Um dos títulos é precisamente: “Navio resgata 190 migrantes no Mediterrâneo.” “Aquilo que aqui temos são exemplos de 33 boas notícias. Talvez não tenhamos a noção disso, mas a palavra Evangelho significa ‘boa notícia’”, recordava o especialista.

Novo ano pastoral

Após a sua inauguração, a exposição Servir pode ser visitada diariamente, e de forma gratuita, das 09h00 às 13h30 e das 14h00 às 17h30, até 15 de outubro de 2025. A abertura da exposição é um dos momentos da inauguração do novo ano pastoral no Santuário de Fátima. Após a abertura da mostra tem lugar, no Centro Pastoral de Paulo VI, uma mesa-redonda que visou refletir sobre o tema do novo ano pastoral – “Peregrinos de esperança”. Entre os intervenientes estiveram Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima, e José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima. Desta sessão fez também parte um momento musical.