Pode um sabonete artesanal fazer mais do que limpar, hidratar e perfumar? Pode, sim. Muito mais. E não, isto não é um anúncio a cosméticos naturais: é a história de uma receita milenar da Síria que hoje transforma vidas em Portugal, e que pode até transformar o mundo. Mas que sabonete é este? Chama-se Amal – palavra árabe para “esperança” – e é produzido por mulheres migrantes e refugiadas acolhidas no nosso país, que conhecem melhor do que ninguém o seu significado.

Ghufran Shlash, 26 anos, é uma dessas mulheres. A sua família deixou a Síria tinha ela 14, quando o medo de morrer num bombardeamento ultrapassou o medo de fugir, e essa palavra – “amal/esperança” – parecia ter perdido o sentido. Ghufran viveu durante cinco anos na Turquia, com os pais e os quatro irmãos mais novos, em condições precárias, até que, em 2019, receberam a notícia de que poderiam vir para Portugal, através do Programa Voluntário de Reinstalação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

“Quando cheguei a Portugal, descobri um povo muito gentil, que adora ajudar. Percebi que os portugueses têm muitas semelhanças com o povo sírio. Descobri que aqui as pessoas são boas. Os portugueses que encontramos são muito prestáveis e gostam de nós, em geral”, conta Ghufran ao 7MARGENS.

Hoje, apesar das saudades que tem do seu país, Ghufran já se sente um pouco de Braga, onde vive com o marido e o filho, e é mediadora intercultural na Amal Soap, um projeto de empreendedorismo social que surgiu em 2017 com o objetivo de promover a inclusão no mercado de trabalho de pessoas refugiadas, e que desde há um ano é dinamizado como negócio social pela Associação para o Desenvolvimento MEERU | Abrir Caminho.

“Em 2020, a minha família participou no projeto ‘MEERU Aproxima’, em que fomos acompanhados por um grupo de voluntários que se tornaram nossos amigos. Desde aí, mantivemo-nos sempre próximos das atividades da MEERU e dos amigos que fizemos”, recorda Ghufran. “No ano passado, a equipa da MEERU lançou-me o desafio de colaborar num workshop da Amal Soap para uma empresa, onde ajudei a produzir sabonetes e partilhei com os participantes um pouco da minha cultura síria, da minha história e da história do meu país. Desde aí, comecei a participar em muitos momentos: produção e embalamento de sabonetes, feirinhas para venda dos sabonetes, eventos de apresentação deste projeto…”, continua, com visível entusiasmo.

Ghufran não é a única. “Como eu, também outras mulheres refugiadas e migrantes estão a ser mobilizadas para este projeto. Eu sinto agora que há um objetivo que procuro realizar na Amal: difundir a minha cultura através deste projeto e ao mesmo tempo obter dele um apoio financeiro de que preciso para ajudar a minha família a viver em Portugal. Além disso, trabalhar com senhoras de diferentes culturas e países foi interessante porque me adaptei rapidamente à diversidade. Adoro essa diferença entre nós e aprendo muitas coisas com elas”, sublinha a refugiada síria.

As receitas obtidas com a venda de sabonetes e os workshops revertem para a promoção e integração destas mulheres e para o seu empoderamento económico, sempre sem descurar a sustentabilidade da produção. O objetivo é, agora, ajudar cada vez mais refugiadas e migrantes como Ghufran, dando-lhes ainda mais ferramentas para facilitar a sua integração, algo que poderá tornar-se realidade já em 2025, com a nova casa da Amal Soap prestes a ficar pronta.

“Até agora, temos andado itinerantes entre a sede da MEERU e alguns espaços que nos vão sendo cedidos pontualmente. Mas, a partir de janeiro de 2025, iremos habitar a nossa casa: o laboratório Amal Soap. As obras estão neste momento a terminar e os últimos detalhes estão quase, quase prontos”, adianta ao 7MARGENS Pedro Amaro Santos, diretor executivo da MEERU e da Amal Soap.

Estas novas instalações – localizadas no edifício da IPSS Perpétuo – Educação e Cultura, no coração do Porto –  irão incluir, não apenas um laboratório para produção de sabonetes, mas também um armazém. O espaço, cedido como resultado de uma parceria e amizade com a Congregação do Santíssimo Redentor (os Missionários Redentoristas) em Portugal, será ainda a casa da Academia Amal, “um lugar seguro de capacitação técnica e interpessoal de mulheres migrantes e refugiadas para a entrada no mercado de trabalho”, revela o responsável.

Este é, para Pedro Amaro Santos, o “sonho maior”, que “irá permitir chegar a mais mulheres migrantes e refugiadas em situação de desemprego em Portugal, fazer um caminho lado a lado com elas, que permita a sua integração laboral em empresas parceiras da Amal Soap”.

Como contribuir para a concretização desse sonho? Adquirindo os sabonetes Amal. Produzidos de acordo com as tradições milenares do sabonete de Aleppo, na Síria, totalmente biodegradáveis, vegan, e sem recurso a óleo de palma, os sabonetes estão disponíveis em vários aromas – louro, lavanda, erva-príncipe, alecrim e menta – e podem ser encomendados na página oficial do projeto.

“Adorava que as pessoas dessem como presente de Natal os nossos sabonetes, porque acredito que são uma forma de espalhar esperança entre nós, e através deste presente podemos por as pessoas a conversar sobre imigração e culturas: ao receberem este presente, crianças e adultos aprenderão o significado da troca de culturas”, sugere Ghufran, para quem “o sabonete AMAL é um sinal de que a troca harmoniosa entre culturas é possível”.

Para aqueles que queiram aceitar a sua sugestão, a boa notícia é que ainda vão a tempo. A Amal Soap garante envios antes do Natal, fora da zona do Porto, para encomendas feitas até ao dia 19 de dezembro, e na zona do Porto para encomendas realizadas até ao dia 22. As entregas também podem ser feitas em mão, na sede da MEERU, até ao dia 23. De uma forma ou de outra, uma coisa é certa: quem os adquirir irá receber, e oferecer, uma imensa esperança.

Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.

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