Temos de admitir que os últimos tempos, à escala global, não têm sido especialmente animadores: as guerras proliferam e, nalguns casos, apresentam sinais alarmantes de escalada de violência e perigo extremo para a segurança mundial. A atitude depressiva e pessimista pode tornar-se num mau hábito, numa tentação em que, com demasiada frequência, caiem os meios de comunicação social – como se “notícia” fosse necessariamente sinónimo de “má notícia”.
A experiência cristã, no seu essencial, radica, pelo contrário, numa “Boa Notícia”, que parte de um encontro que é uma dádiva gratuita e inesperada de um Deus de Amor que nos visita e nos ensina a dar sentido ao tempo. A alegria do dom e a inquebrantável aliança com a vida projetam-nos assim para além das vicissitudes dolorosas das más escolhas que os humanos vão fazendo na história, dizendo-nos que é sempre tempo de novos começos, é sempre possível voltar a escutar, voltar a encontrar sentido, voltar a procurar o caminho.
A celebração do “Jubileu”, proposta para este novo ano, convoca-nos para a descoberta de uma alegria mais funda que a fugacidade das satisfações (ou insatisfações) das ondulações da história. Na sua bula de proclamação deste jubileu, o Papa Francisco quis associá-lo a um tema transversal: a esperança. Em tempos de crise e disrupção, voltar à esperança não é cultivar uma simples expetativa de que dias melhores virão, de que vai tudo correr bem, no otimismo balofo que ignora os sinais de preocupação e faz de conta que tudo vai andando. A esperança não faz de conta: ela funda-se numa palavra maior que as palavras e gestos de rutura e desmoronamento, uma Palavra que é alfa e ómega, princípio fundante e finalidade da história, que garante que tudo tem sentido e que o Amor crucificado de Jesus assegura que mesmo as nossas mais monstruosas opções não prevalecerão sobre a certeza do Amor. O Papa diz, na referida bula, que “é o Espírito Santo, com a sua presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida” (nº 3);
Por isso, a esperança da alegria do Evangelho também não é apenas uma passiva postura de aguardar a ação corretiva de Deus: porque é vivida como uma espécie de luminosidade da liberdade, a esperança é essencialmente compromisso ativo, direcionamento consciente e dócil à presença inspiradora de Deus, concretizando-se nas escolhas simples da banalidade do quotidiano. Não é feita, em geral, de grandes rasgos de fulgurante inovação: a esperança respeita os ritmos da história, as morosidades próprias e alheias, não se aflige, não se precipita, investe em iniciativas transformadoras, reconciliando-se com a vida como ela é, deixando entrar os contratempos e integrando-os num tempo positivo que constrói, sem negar os tropeços, mas tendo-os em conta na concretização de um sonho que os ultrapasse e lhes tire o poder. No mesmo texto, o Papa Francisco afirma que “através da escuridão, vislumbra-se uma luz: descobre-se que a evangelização é sustentada pela força que brota da cruz e da ressurreição de Cristo. Isto faz crescer uma virtude, que é parente próxima da esperança: a paciência”. Esta não se confunde com resignação e desistência, mas é antes a recusa de reduzir a esperança a otimismo, já que, “a paciência – fruto também ela do Espírito Santo – mantém viva a esperança e consolida-a como virtude e estilo de vida” (nº 5).
Inspirado nos grandes jubileus da antiguidade judaica, o jubileu convoca para um reinvestimento na história, dando ao tempo uma nova oportunidade de reconciliação, de libertação dos cativeiros, de superação das dívidas, de reconstrução e relançamento da vida. Isso é ser cristão, isso é a alegria do evangelho. Isso é esperança. Isso é missão.
Autor: Pedro Fernandes, da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos).
Texto conjunto Missão Press.